Archive for 2008

Ele

terça-feira, julho 29, 2008 Comments Off

Como a fumaça de um cigarro que, antes que você sequer perceba, já se dissipou pelo ar sem deixar o menor rastro, além apenas de um gosto amargo que fica na sua lingua e um estranho desejo de fumar novamente.

Sombras da Cidade

quinta-feira, julho 24, 2008 Comments Off

Desde pequeno, sempre tive pequenos medos. Coisas bestas, passageiras. Sempre foi complicado dormir em casas que não fossem a minha. Por mais que tudo corresse normalmente durante todos os dias, era sempre à noite, naqueles longos e aparentemente eternos instantes antes de o sono nos derrubar, quando havia o medo.

Meus amigos e eu sempre acabavamos por entrar nas intermináveis discussões sobre a existência ou não de fantasmas. Sempre havia opinião de qualquer um dos lados da questão. E então havia eu - o que se mantinha em silêncio, se lembrando das sombras desenhadas nas paredes antes de dormir.

Hoje já não penso mais sobre isso. Me acostumei com a existência deles. Vejo-os todos os dias, em vários locais diferentes pelos quais passo todos os dias, religiosamente. E por todos os outros que acabo por ir também. Eles estão em todo lugar.

Hoje um deles estendeu o braço humilde enquanto eu cruzava ao seu lado. Resisti. Como eu disse, já me acostumei com sua existência. Não há nada que eu possa fazer. Apenas evito entrar em conflito, e então está tudo bem.

Antes que eu chegasse em meu escritório, encontrei com vários deles, distantes, ocultos nos cantos das largas ruas da capital paulista. Um menino de prováveis sete anos, uma menina de prováveis catorze, e outra de prováveis dezessete. Prováveis irmãos. Sujos. Sujos. Andavam juntos e então se espalhavam por entre as pessoas no ponto de ônibus, estendendo o braço insistentemente frente a elas que, assim como eu, aprenderam a não olhar.

Fantasmas não existem.

O sinal não abria, e comecei a ficar impaciente porque, lá longe, vi um deles se aproximando diretamente a meu carro. Meu vidro estava aberto pela metade, e isso não era suficiente. Ele era imundo. Seus dreadlocks deviam conter a maior quantidade possível de sujeiras da cidade grande. Sua calça e blusa - as mesmas desde que cruzei esta rua pela primeira vez. Hoje era de mim que ele se aproximava. De repente, me vi novamente deitado sobre a cama que não era minha, numa casa que não era a minha, no escuro, instantes antes de o sono bater. Estava vendo as sombras nas paredes percorrerem em minha direção. Mas dessa vez o sono não iria bater. Eu continuaria acordado, e o fantasma chegaria em mim. Minhas pernas tremiam.

Sua boca horrendamente torta, com sujeiras gosmentas no canto dela, e restos de comida grudados naquela barba grande crespa, e ele olhava diretamente aos meus olhos. Grunhia qualquer coisa de insano, enquanto estendia a mão preta de podridão em minha direção.

Fui firme. "É apenas um fantasma". Apertei rigidamente o botão, ao que o vidro sobe lentamente. E minhas pernas param de tremer. Não tinha mais com o que me preocupar.

"Ele não existe."

"Fantasmas não existem."

De Espaço

quinta-feira, julho 17, 2008 Comments Off

Descobrimos então que ali, naquele cantinho escondido, havia um vazio.
E ali resolvemos guardar nossa alma, com a ingênua certeza de que algo sem conteúdo devesse pertencer a um local inexistente.

Em Molduras Vazias

terça-feira, junho 24, 2008 Comments Off

Decidiu então comprar uma pintura. Foi direto na mais adequada a ele, larga, espaçosa, cheia de sentimentos. "Magnifico". Levou para casa feliz e na parede da sala pendurou.

Uma semana depois quis destruir. O irritava.

No dia seguinte amava novamente a pintura.

No fim de semana seguinte, o quadro se encontrava na lixeira. Ou os restos de.

Decidiu que aquele não o alegrava o suficiente. Devia haver cores frias em excesso. "Artistas e suas mensagens subliminares...". Comprou outro. Somente cores quentes. Um deserto sob toda a paixão do Sol. "Perfeito".

Em um mês, estava pendurado na parede da larga sala da vizinha pobre. "Cores em excesso. Artista exagerado".

Comprou outro. Outro. Outro. Decidiu no inverno fazer uma fogueira.

A parede então se encontrava vazia novamente. Sentou-se à frente dela e ficou em silêncio. Aguardou.

Decidiu então comprar uma moldura. E a moldura vazia pendurou. E uma televisão velha queimada comprou e na estante principal colocou. E nas paredes do espaçoso quarto, pequenas molduras vazias espalhadas esporadicamente.

"Ok. Agora posso ver e sentir o que eu quiser ver e sentir quando eu achar que deva ver e sentir."

Ele não comprou outras pinturas.

Da Liberdade da Alma

sábado, junho 21, 2008 Comments Off

Um dia, seremos todos andróginos. E então, quando nossos corpos estiverem libertos, a sociedade estará pronta para a liberdade da alma quando, então, deixará de se preocupar sobre "a que" amar, para se preocupar com "a quem" amar.

16''

quinta-feira, junho 19, 2008 Comments Off

Ele tirou então o telefone do gancho, discou um número qualquer, e assim que atenderam, gritou com toda a força que tinha durante dezesseis segundos, até perder o fôlego, e desligar.

Contratempo

terça-feira, junho 17, 2008 Comments Off

Eis que ele, acostumado a acordar pontualmente às 7:00 e ir direto à janela do quarto, onde conseguia ver belamente um Sol recém nascido, no dia de hoje se depara com um imenso vasto de nada no horizonte, ao invés do forte brilho do Sol que tanto gostava de admirar.

Fica confuso e duvida de sua lucidez.

Volta à janela, e ainda nada lá, apesar de a manhã estar tão clara como sempre. Repara então nas sombras que, hoje, surgem no lado oposto ao qual deveria.

Corre para o lado oposto da casa, e escancara a porta, se assustando de imediato com um Sol inesperado. Com urgência, corre até ela na cozinha, que preparava o café, de pé, no exato mesmo lugar e com a mesma serenidade de todos os dias.

- Você está vendo!?

- O quê filho?

- O Sol!

- Sim. Vi sim.

- Mas.. O quê... !? ...

- Isso é Ele desistindo - ela diz, tranqüilamente, enquanto vira o bule sobre a xícara, que serve então a ele.

Ela percebe a contínua expressão de confusão nele, e tenta ser mais clara.

- Ele desistiu de nós. Como um artista que erra o traço, ele está, agora, apagando. Desistiu de nós e decidiu recomeçar do zero.

Pronuncia as últimas palavras virando a xícara em direção aos lábios, enquanto admira, apaticamente, as sombras no chão se aproximando de si, em efeito de um Sol nascente que, na verdade, começava a se pôr.

Be the Miracle

segunda-feira, junho 16, 2008 Comments Off

"Be the miracle", escrito graciosamente em caneta bic azul sobre o post-it, que agora se encontrava grudado num cantinho da tela do computador do outro, que fica com um secreto sorriso no canto dos lábios ao ler as sutis palavras, com a gostosa sensação de ter a chance de fazer tudo dar certo desta vez.

Antes Que Você Perceba Ser Humano

sábado, junho 14, 2008 Comments Off

Vou viajar pelo mundo, e abraçar corpos desconhecidos como fossem meus amantes de 20 anos de história.

Entrar em casas às quais nunca fui convidado e me sentar à mesa da cozinha falando sobre a novela local, esperando gentilmente que me sirvam um café, ou, oferendo-me pra tal.

Vou pegar as chaves, ajeitar o banco, e dirigir sem noção de tempo, espaço, vida, universo e tudo o mais, como fosse um jogo de vídeo game, daqueles que a gente senta e não desgruda até ter a certeza de que, enfim, acabou. E depois ainda volta e começa tudo outra vez, com a mesma paixão de antes.

Vou me apaixonar pela morena que cruzar na próxima rua à direita. Me casarei com ela, viveremos felizes para sempre, até quando não quisermos mais. E então me apaixonarei de novo, inconseqüentemente, por outras morenas, morenos, cachorros e alienígenas que a vida jogar sobre mim.

Inconseqüentemente.

Sem parar pra pensar, ou estudar, ou refletir. Apenas ir. Viver. Sem valores e regras e livros e métodos e formatos que tentem aplicar a mim. Sem valores alheios. Vou seguir a vida aos meus valores, ou até sem qualquer valor, ou moral, ou ética, ou qualquer coisa que me limite a... não viver.

Inconseqüentemente.

Vou me preocupar mais em ser feliz. Ignorar os olhares do mundo, e as expectativas sobre quem sou de pessoas que não são eu. Que não são eu. Vou me preocupar em viver.

Inconseqüentemente.

Virarei à esquerda quando tiver de virar à direita, e esperar encontrar o amor como num filme bonitinho onde tudo sempre dá certo. Tirando a parte onde tudo dá certo. Não quero que nada dê certo. Quero que aconteça. E que siga em frente. Quero crescer com cada tropeço, choro e despedidas que tiver de dar nessa vida. Todas as despedidas que tiver de dar nessa vida.

Vou parar de me preocupar em falar o correto, o belo, o esperado, o inteligente. Vou xingar e espernear por aquele que me abandonar, tudo pra crescer, e seguir em frente depois.

Vou virar jogador de futebol.

Talvez a predisposição a ser absolutamente nada do que eu pretendo me faça justamente ser o que eu deva ser. E não compreender de forma alguma o que essa frase diz é absolutamente compreensível e faz totalmente parte da arte de ser o que quiser ser, e ouvir o que quiser ouvir, e viver o que quiser viver.

Vou virar jogador de futebol, e abandonar a língua portuguesa, e cometer os maiores crimes gramaticais.

Será que, talvez, assim a gente se torne uma pessoa feliz?

O que pode me fazer uma pessoa feliz?

Vou aceitar os convites que me fizeram, terminar esse texto, e mostrá-lo a vocês. Talvez, assim, eu me torne uma pessoa feliz.

Outra de Amor e Dor

sexta-feira, maio 23, 2008 Comments Off

- E você? Como está?

Ele então se curva em direção aos pés, e começa a retirar o cadarço de seu tênis. Se levanta de volta, pega o punho fechado da amiga, que começa a enrolar com o cordão, até dar fortes nós, que machucam a garota.

- Que porra...!?

- To te respondendo. É assim que me sinto.

- Com a mão pulsando de dor de tão presa que está!?

- Não a mão. O coração.

Prólogo à Vida

terça-feira, maio 20, 2008 Comments Off

Ao caminhar pelo corredor em direção à porta, já pude notar o distante som. Logo ao abri-la, senti em mim o sutil ritmo que ecoava pelo apartamento vindo do antigo gramofone ao canto da sala. Depois de poucos instantes já percebera que Sur le Fil tocava incansavelmente, vez após outra, em toda sua miséria e tristeza. Assim como nosso retrato, que aparecia agora, ampliado, sob uma fraca luz na parede oposta à larga janela que, igualmente surpreendente, aparecia agora descoberta por inteira, como um braço à torcer pela beleza da cidade distante, que iluminava com graciosos brilhos a taça de vinho tinto, intacta, sobre o balcão da cozinha, que antes sequer que pudesse erguer em direção à minha boca, me fez notar o grande balão cor de rosa no chão da sala, com um rosto feliz minuciosa e pacientemente desenhado, e foi então que tive certeza: ela estava morta.

Despedida

quinta-feira, abril 10, 2008 Comments Off

O amigo o vê chegando, que se senta a seu lado.

- Estou entediado. O que faremos hoje?

- Não sei. Tenho já meus planos. Você não fará nada?

- Não. Devo ir pra casa e dormir. Deve ser o mais o próximo de animação que conseguirei hoje. E você? O que fará?

- Nada demais. Devo morrer.

- Legal.

[...]

- Só tem isso a dizer?

- Como assim?

- Acabo de dizer que vou morrer.

- E eu disse "legal".

- Não se importa?

- Claro que me importo. Te amo. Mas você parece decidido.

- Não vai tentar me salvar? Convença-me de que é um erro!

- Mas não é um erro.

[...]

- Vou morrer.

- Cuidado pra não se machucar.

[...]

- Mas vou morrer.

- Mas até morrer pode doer né. Toma cuidado.

[...]

- Por que faz isso?

- Isso o que?

- Essa apatia toda. Não sentirá falta de mim?

- Muito. Muito. Muito.

- E então!?

- Mas você não morreu ainda.

[...]

- E quando eu morrer? Quando toda essa saudade bater aí?

- Aí eu viro para meu outro amigo, num dia comum, e quando ele me perguntar o que pretendo do meu dia, digo que morrerei.

- Por mim?

- Não. Por saudade.

- A saudade é tão grande assim?

- Maior que você.

- Não me ama então?

- Amo sim. Mas amo mais a falta que você me faz.

- Então eu aqui agora não te afeta em nada?

- Não.

- E quando eu te afetarei?

- Quando você se for daqui.

- Não prefere me querer enquanto estou aqui agora? Logo terei de ir. Já estou atrasado.

- Não consigo te querer agora. Você já está aqui.

- Vou me sentar ali então.

[...]

- Volte pra cá.

- Me quer agora?

- Agora sim.

- Mas ficarei aqui então. Aqui não te quero.

- Por que não?

- Porque você não está aqui.

[...]

- Vou morrer.

- Você já disse.

[...]

- Quando você morrer, sentirei sua falta.

- Você também já disse.

[...]

- Não temos nada mais a dizer então?

- Acho que não. Acho que você já pode ir morrer.

- Adeus então.

- Adeus. E se cuide, novamente. Tente não se machucar.

- Tentarei. Te amo.

[...]

- Não dirá que me ama também?

- Agora não. Vou esperar você morrer.

- Ok.

- Adeus.

- Adeus.

Sobre a Falta de

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Hoje me senti acolhido.

De trás da grande janela do escritório, olhei para cima e vi as nuvens. Nuvens cinzas, carregadas, e a garoa caindo de leve, tranqüila.

De trás da grande janela, vi o dia cinza, pessoas de peles saturadas, quase uma película em p&b. Por de trás da grande janela, assisti, por instantes, um filme de 1942. Mas antes que sequer me sentisse habituado às cores e falta de, um grande buraco nas nuvens se abriu, permitindo a passagem de um enorme facho de luz, que mesmo que eu odeie a palavra a "facho", era esplêndido. E nem era esplêndido. Era uma luz comum, a luz do sol, de todos os dias, desde que o sempre é sempre. Mas era esplêndido, pra mim, ali. Meu filme logo pulou décadas e décadas no tempo, parando em 2008, no hoje, no agora, nesse instante. E no facho de luz, que tanto odeio o nome e tanto admiro sua beleza, vi ali a possibilidade de mudar tudo. Se um filme de 1942 pode se transformar no filme da minha vida de 2008, minha vida de 2008 pode se transformar em qualquer coisa, ainda que não seja um filme. Ou talvez seja.

O facho de luz estava ali para me lembrar que apesar de todas as gotas de chuva que possam cair, pode existir sim um lugar no meio da rua, uma grande mancha seca e dourada no chão, brilhando, à parte de todas as saturações do resto, à parte de todas as gotas de chuva que caiam sobre nós. O grande buraco na nuvem estava ali para me lembrar que existe sim um local aproveitável sob a chuva.

Mas depois de tudo isso, acabei abandonando todas essas idéias, porque, afinal... Na verdade, toda gota de chuva é aproveitável. Tudo existe para nós, para o nosso melhor. O que varia, no fim da história, é o que fazemos com o que nos é dado. A chuva está lá. Amargure-se com ela, procure um buraco na nuvem, ou aproveite tudo e dance na chuva, por mais cliche que soe. Afinal, já sabem o que digo sobre cliches. Mas nem é sobre cliches que vim falar hoje. É sobre a chuva. E a falta de.

Nem é.

É sobre a vida.

E a falta de.

Maqêdo | O Fim

quarta-feira, abril 09, 2008 Comments Off

E à frente das altas chamas da fogueira ao fundo, queimando forte em meio a todos, Maqêdo caminha até a borda, e ergue a cabeça em afronta a eles, enquanto diz, como um último suspiro de sanidade em si:

"Este é o fim."

Músicas

quinta-feira, março 13, 2008 Comments Off

O menino tem cerca de 7 anos, e traja panos humildes, de cores pastéis. Está sentado com um par de fones de ouvido nas orelhas. Seu amigo, trajado parecido, fica impaciente com o silêncio.

- Deixa eu ver o que você está ouvindo.

Enfia a mão no bolso do menino, procurando algo, que não encontra. Além de moedas, e papéis amassados, encontra a ponta solta dos fones. O menino continua a cantar.

- Cadê!?

O menino tira tranqüilamente um fone do ouvido, em sinal de poder escutar.

- Cadê o quê?

- Cadê a música?

- Aqui ué.

- Aqui onde?

- Aqui em mim.

Ele coloca o fone de volta, e continua a cantar. O amigo insiste.

- Deixa eu ouvir.

O menino continua cantando.

- Deixa eu ouvir.

O menino percebe o amigo, e retira o fone novamente.

- Oi?

- Deixa eu ouvir!

- Não posso.

- Por quê?

- Você não conseguiria ouvir. Só eu consigo.

Ele coloca os fones novamente. O amigo se vira pra frente, olhando pro nada, com olhar triste. O menino o percebe, e se volta a ele.

- Aqui, espera.

O menino enfia as mãos num bolso e tira outro par de fones, tão estragado quanto o que usa. Estende-o para o amigo.

- Toma. Agora você pode ouvir sua música também.

O amigo coloca então os fones, vira-se pra frente, e ficam os dois, sentados, sorrindo, com suas músicas.

Beija-Flor

domingo, fevereiro 24, 2008 Comments Off

Sobre o sofá escuro frente à grande janela ele se mantinha deitado, sem expressão nos olhos, nem nada que declarasse o mínimo sinal de vida, dentro do largo cômodo.

A cidade que se via lá fora compartilhava do mesmo espírito, ou falta de, se mostrando vazia e inerte a si mesma, por sob nuvens abstratas, volúveis, tão mecânicas como a televisão ao canto, muda, falando alto, sozinha, para si, e mais ninguém.

E em contraste a todo o cinza daquele universo, daquela cidade inóspita lá embaixo, lá longe, o beija-flor chega rápido, com toda a energia que falta a tudo aquilo, e pára frente à grande janela, com aquele mundo em rascunhos de Manet ao pano de fundo, intensificando todo o vazio que lá existia, e intensificando toda a vida e cores de Monet em si mesmo conforme batia suas asas fortemente, como uma surpresa a tudo que poderia se esperar de tal lugar, como um presente, um prêmio, um milagre. Como comprovando que apesar de todas as dores e tristezas dos seres, ainda existe uma linha de esperança, de felicidade... Que as cicatrizes do mundo podem sim ser curadas, com um beijo, um único beijo, o beijo que salvará todos, de todas as suas dores, suas agonias... O beijo que salvará todos os corações de suas desilusões, colocará esperanças em todos os que já perderam-nas. O beijo que trará a esperança. A Esperança.

Asas que batem forte, asas improváveis, insperadas... Mas que lá estão. Batendo forte. Nos fazendo lembrar que, sim, o bem ali existe.

De Pesos e Levezas

segunda-feira, fevereiro 18, 2008 Comments Off

- E se nos jogarmos daqui agora?

- Não faria sentido.

- Não é para ter sentido. É para ter uma solução.

- Essa não é a solução.

- É sim. A solução é sempre a mesma. Voar. Isso simplifica tudo. Voar.

- Sim... Voar.

- Então? E se nos jogarmos daqui agora?

- Não faria sentido.

- Não é para ter sentido. É para voar.

- Você não voaria.

- Você não voaria.

- Eu cairia.

- Sim, você cairia. Por quê? Você sabe por que.

- Porque não me faria sentido.

- Você quer, mas não acredita, não te faz sentido... Então você cai. Você cairá. Sim, sempre.

- E te faz sentido?

- Não é pra ter sentido. É pra voar. É a solução. Ir. Ir. Assim, estalando os dedos... Fácil assim.

- Não é fácil assim. Não é leve assim. É sempre mais amplo, complexo... Profundo. Sempre maior. Mais pesado. São muitas questões, muito a se discutir. É muito.

- Todo esse peso que vê é justamente o que te faz cair. Você não conseguirá voar comigo enquanto não se soltar de todas essas correntes, esses pesos, isso tudo aí, tudo isso. Solte-se.

- Mas não faz sentido.

- Não é pra ter sentido. É pra voar. Voe comigo. Voe comigo.

- Afaste-se daí. Venha! Volte aqui! Não faz sentido! Volte!

- Não é pra ter sentido!

- Solte minhas mãos! Não! Não faz sentido!

- Não é pra ter sentido! É pra voar!

- Não faz sentido!

- Pra voar! Voar! Voar!

Amor Secreto

segunda-feira, fevereiro 11, 2008 Comments Off

Ela enche sua taça de um vinho caro qualquer que havia comprado, e então caminha lentamentamente até a sala de estar, e à grande parede da escada, que dava acesso ao segundo piso.

Com um sorriso nos lábios suave como o vinho que bebia delicadamente, admira, parada, as várias fotografias ao longo da parede; e nas outras mesinhas ao longo da espaçosa sala. Então seu sorriso começa a escorrer de seu rosto, sendo tomado por um sutil olhar de medo. Um medo suposto, incerto, futuro.

Morde os lábios enquanto começa a caminhar, então, até as fotografias. Uma por uma então, começa a retirar cuidadosamente as fotografias de suas molduras. E então caminha até a parede, onde pára sobre os degraus da escada, admirando os grandes quadrados contando histórias de si.

Ela bebe mais um gole, e apoia a taça sobre uns dos vários degraus, deixando as mãos livres para cobrir os quadros com os grandes lençóis que havia tirado de sobre os sofás, quando pela sala passara.

Não cobre todas as fotografias, assim como não havia tirado todas as fotografias de suas respectivas molduras. Só aquelas. Aquelas.

Ela sorri novamente no centro da sala, bebendo delicadamente, enquanto olha os grandes quadros cobertos e as várias molduras vazias. Sorri graciosamente. Não sente mais medo.

A maçaneta gira conforme ele atravessa a porta, com o mesmo largo sorriso de todos os dias. Sorriso de alívio de quem chega no lugar que quer, que deseja, que ama. Nem sequer tem tempo de fechar a porta atrás de si antes que seu sorriso escorra gelado por seu corpo, fazendo-o estremecer, ao não ver sequer uma de suas várias fotografias com ela. Seu olhar interrogativo direciona-se a ela.

Ela sorri como sorriu na segunda vez em que o viu. E na terceira. E em todas desde então. Mas sentindo que seu sorriso de resposta não seria resposta suficiente, usa seus lábios para contar de seu coração.

- Senti medo.

Em um único segundo a partir dessa resposta, inúmeras imagens e palavras e sentenças e estrofes poéticas tristes e felizes e dúbias e incertas passaram pela cabeça dele. No segundo seguinte, libera o óbvio.

- Medo de quê?

Em mais de um único segundo, ela sintetiza em sua cabeça uma resposta coerente que ele consiga compreender como os sentimentos que ela sentiu a fizeram compreender também.

- Tive medo de que as pessoas descobrissem nosso amor.

Em muito mais de um único segundo, ele assimila as poucas palavras que ela lhe dizia, que diziam muito mais do que ele esperava que pudessem dizer. Enquanto ela, segurando carinhosamente sua taça ao virá-la em direção a seus lábios, olha para ele pacientemente, ele concorda com cada palavra que ouviu, e principalmente, com todas as outras não ditas, escondidas por sob o silêncio do subentendimento.

- Sim, elas nunca o compreenderiam. Vulgarizariam-no como fosse a pintura do maior artista do mundo taxado de prostituta pútrida.

- Pior. Elas poderiam roubá-lo. O que temos é o ouro de todos os pobres deste mundo. Vivemos entre mendigos desnudos trepidando à nossa volta. Temos todo o alimento que lhes falta. Nossas fotografias são a vitrine da padaria. Não podemos correr o risco de sermos assaltados. De todos os bens que eu possa ter, meu amor é o único que não posso perder. Ele é meu. E seu. E só.

O sorriso dele volta a seu rosto, conforme vira a taça que havia enchido enquanto ela falava. Um sorriso sincero. De consciência.

- Sim... Muitos dariam tudo para ter o que nós temos. Muitos morrerão sem saber o que é isso que nós temos.

Ele ergue a taça em sinal de respeito, e vira-a em sua boca novamente, bebendo em respeito a eles, os mendigos do mundo, lamentando por eles que nunca saberão o que é o ouro.

Em Um Minuto, Por Um Segundo

domingo, fevereiro 03, 2008 Comments Off

Sem querer, ele esbarra no relógio na parede, que cai, estilhaçando o vidro que protegia os ponteiros. Com a queda, os ponteiros entortam, mas ele não percebe. Recolhe os pedaços de vidro e recoloca o relógio em seu lugar.
Os ponteiros continuam a bater normalmente, durante alguns segundos, até que o longo ponteiro se encontra com o médio, e lá permanecem. Com o segundo entrelaçado ao minuto, o tempo não andava.
Pareceria poético e belo. Eles se encontraram e não mais quiseram se soltar. Sob regras que diziam que deveriam se cruzar a todo minuto e não por mais que um segundo, foram contra tudo e todos e, frente a olhos inexoráveis, abraçaram-se forte, derrubando todas as lógicas, regras, leis e ordens. O mundo ignoraram, e o tempo pararam.
Mas o tempo precisa continuar a andar. É preciso que concessões sejam feitas. Os ponteiros precisam abrir mão daquilo pelos propósitos maiores; pelo tempo; pelo mundo. Precisam se soltar, se libertar um do outro para que a ordem se reestabeleça, para que tudo volte a funcionar. E com a tristeza de uma consciência não desejada, os ponteiros se desentortam. Soltam-se. Libertam-se.
Despedem-se.
A ordem flui novamente, com as chagas dos preços que se pagam, cicatrizes de tudo que deve-se abrir mão por.
E o segundo se vai, com a minimo consolo de poder estar de volta dentro de um minuto, por um segundo, pelo resto dos tempos.

Destempo

sábado, fevereiro 02, 2008 Comments Off

Ele sai correndo atormentado pela casa. O piso torna-se escorregadio com suas lágrimas. Pega todos os relógios de parede, um por um, arranca o fundo, e coloca-os de volta com a frente virada para a parede. Ao terminar de virar o último, o grande na parede principal da sala, senta-se numa cadeira virado de frente para o relógio invertido, e começa a enxugar as lágrimas, tentando conter o choro.

Seu irmão, vendo-o, absolutamente sem compreensão, fixa o olhar nele ao perguntar séria e lividamente.

- Que porra...!? Por que fez isso com os relógios!?

Ele começa a tentar responder, e ao perceber que só o que sai de seus lábios são grunhidos em notas desformes, sentindo o choro sair de dentro de si, pára e respira, tentando se recompor novamente. Com calma, usando longas pausas, responde, sem ousar tirar os olhos do grande relógio na parede, que agora batia seu longo ponteiro em sentido inverso.

- Estou esperando. Daqui há algumas horas, estaremos de volta no hospital, na sala com ela. Estou esperando voltar a chance que perdi de dizer a ela que a amo.

Hoje o Circo Foi Embora

terça-feira, janeiro 22, 2008 Comments Off

Hoje o circo foi embora.
E com ele, as montanhas de luzes, que refletiam todas as cores de mim.
As bailarinas carregam consigo os passos que dançamos juntos em meu coração.
Meu coração, que o Mágico retirava da cartola todas as noites. Meu coração, branco, peludo, e de grandes olhos vermelhos. Dentro da cartola foi colocado, para nunca mais ser retirado.
Nunca mais o vi, nem a cartola, que se foi com os ventos céu acima.
Ventos antes protegidos pela lona. Lona que hoje não há mais, pois circo não há mais.
Lona arrancada, deixando à vista todas as estruturas de tudo aquilo. Estruturas que ninguém queria ver. É feio. Quero ver as cores. Quero ver o circo.
Quero ver os trapezistas, me pegando e jogando ao céus... Me faziam voar, dançar pelas nuvens. Eu via o mundo todo. E o mundo todo era colorido. E o mundo todo era feliz.
Mas hoje já não mais.
O circo se foi, eu caí das nuvens, caí no chão. Meu picadeiro era lama, e lá mergulhei, afundei, me perdi de mim.
Já não sei mais quem sou, nem que lugar é esse. É tudo escuro, nada brilha, nada se acende, nada se ilumina.
Hoje o mundo é noite sem fim, e por ela caminho, sem razões ou previsões, apenas esperando meu dia nascer de novo, reluzente, cheio de cores, brilhando, pessoas gritando, felizes, felicidade em si, em mim, e todos nós.
Vou andar.
Vou andar até meu circo voltar.

A Opacidade da Vida

domingo, janeiro 20, 2008 Comments Off

A mãe, então, retira os gelos da fôrma. Enquanto os coloca nos copos, a menina olha deliciosamente admirada para os gelos que, fortemente, brilham como cristais. O olhar ingênuo da menina logo brilha igualmente.

- Nossa... Como é bonito, né mãe?

- Sim, é mesmo. Nem parece de verdade.

A menina olha meio confusa.

- Por quê?

Com a consciência de uma seca verdade, o olhar da mãe se esvai ao responder morbidamente para a menina, como quem declara a morte a um jovem.

- Porque a vida real não é bela assim.

Ela mergulha então os últimos gelos no copo que, em meio à cor do suco, perdem totalmente seu brilho, tornando-se foscos e sem vida, assim como o olhar da menina a partir de então.

De Justiça, Ética, e Moral

quarta-feira, janeiro 09, 2008 Comments Off

- Olhe... Vou ser muito sincero com você, rapaz. Acho muito nobre tudo isso, mas enquanto você estiver aqui conosco, é aconselhável que pegue toda essa sua ética e moral e esconda-as numa gaveta bem longe. Você não usará nada disso aqui.
Ah. E se você quer mesmo meu conselho, digo que pegue isso e destrua em flamas, porque, de verdade, depois de viver tudo isso aqui, você nunca mais terá coragem ou vontade de usá-las novamente. Acredite.

Dramatic Premise

terça-feira, janeiro 08, 2008 Comments Off

O que você faria se todos os seus amigos começassem a morrer ininterruptamente?

Christian Verona

sábado, janeiro 05, 2008 Comments Off

Um golfinho nada pelas águas de forma graciosa, divertida. Atrai os olhares de todos, que se divertem, acham-no lindo em seus movimentos quase circenses.

O golfinho mergulha às profundezas. Outros se juntam. Em questão de minutos, ele está coberto de sangue. Não seu, de outros. Sua violência é camuflada por sua graciosidade. Esse é um típico golfinho.

Esse é Christian Verona. Sua beleza dá-lhe acesso a tudo que quer. Não importa quem seja, o poder que tem, a vida que leve... Ela se deixará levar pelo olhar ingênuo e rosto juvenil de Christian. Em minutos de conversa, a pessoa já estará confidenciando-lhe os segredos mais implosivos. "Qual o problema?", pensam. "Um rapaz tão carinhoso, atencioso...". Nunca faria qualquer mal. Nunca faria qualquer mal. A maior ilusão que Christian as faz cair. Elas mesmas nunca acreditariam se ouvissem. Só entendem quando é tarde demais, depois que ele já lhes tomou tudo que quisera. Mas aí já é tarde. Tarde demais até para avisar aos outros do demônio que os controla.

- Porque esse "demônio" que me julga também te controla.

Ninguém jamais o derruba. Ninguém tem influência, ou poder, ou simplesmente coragem. Christian Verona lhes tira tudo isso.

- Não pode me derrubar. O anjo que vê em mim é um demônio há muito já caído. Daqui não há mais para onde descer.

Precauções

quinta-feira, janeiro 03, 2008 Comments Off

Lave bem seu coração depois de usá-lo. Perigo de infecções, resultando em amputação.

Mecânica

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- Você continuaria me amando normalmente se soubesse que te amo igualmente?

- Não. Meu amor por você depende da incerteza e da falta de reciprocidade. Agora não te amo mais.

- Então já não posso mais te amar também, porque meu amor por você depende da certeza de sua eternidade, e o amor que você sente por mim não é puro.

- Se engana. Meu amor por você é puro. Só a razão dele é que não.

No Escuro

terça-feira, janeiro 01, 2008 Comments Off

Eles começam a se despir lentamente. Dan pega em suas mãos, dá um beijo no canto de sua boca, e dá a volta, até ficar às suas costas. Pega uma venda e começa a colocá-la nele, que o impede.

- Não... Por quê? Eu quero poder te ver.

- Porque eu quero que você me ame pelo que sou, não pelo que aparento ser.
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