Archive for julho 2007

O Incerto Silêncio

terça-feira, julho 24, 2007 § 0

Ao longo de toda minha vida, ouvi inúmeras vezes elogios de todos os tipos. Fossem minhas notas no período escolar, fosse a camisa pólo horrível que minha mãe gostava tanto, ouvi todos os tipos de adorações que pudessem descarregar sobre mim.

Passou-se anos, muitos anos, e continuam a me elogiar. Elogiam hoje coisas específicas da pessoa que me tornei, elogiam as casas que construí, que projetei. Elogiam a família imperfeita que amo tanto, os filhos perfeitos, pedaços de mim. É o resultado do que eu queria, das vontades que tinha, da pessoa completa que sempre quis ser. Do melhor que eu sempre quis ser. Melhor pra mim, melhor entre os concorrentes, o melhor entre todos.

E todos os elogios, sei que são sinceros. Eles elogiam o que vêem, o que sabem. Mas moldei isso durante toda minha vida.

Durante toda minha vida, tive desejos, metas, sonhos... O que as pessoas elogiam, e elogiaram durante toda minha vida, é o que eu tive, o que tenho. O que conseguir ter. E isso só é possível para elas porque nunca souberam do que nunca tive.

Nunca saberão de minhas pinturas borradas, minhas encenações frustradas... Nunca sequer imaginarão a quantidade de recusas que recebi de todos os festivais de cinema que anseei tão intensamente. Não sabem nem que fiz filmes.

Só sabem do arquiteto renomado, de suas construções faraônicas, de seus "pedaços de si mesmo espalhados pelo mundo", como alguns costumam ilustrar. Só sabem de meus cálculos, de minha matemática, física, estética... De tudo que tanto sei, mas nunca consegui inserir onde realmente quis.

Vivi uma vida em segredo. Enquanto todos me viam falar, gritar, só eu conhecia meu silêncio. O silêncio da incerteza, que depois se transformou no silêncio da derrota.

São meus sonhos tropeçando no caminho da vida, e ficando por lá, de cabeça baixa, sem jamais chorar. Só um silêncio, meus sonhos acenando distante enquanto continuo andando, e um "quem sabe na próxima vida?".

A Porta

quinta-feira, julho 19, 2007 § 0

Pode entrar em minha casa.
Invadir meu quarto.
Mas sujará seus pés de lama.

Linha Reta

quarta-feira, julho 18, 2007 § 0

Ela começa num ponto e termina num outro.
Mas não gira, não faz curva, não sobe, nem desce.
Ela representa o tempo.
Um tempo com começo, meio e fim, onde o fim se vê do começo, sorrindo seguro no horizonte, lá longe.
Ela representa o tempo.
Mas não o meu.

Maqêdo | Alienação por Amor

domingo, julho 15, 2007 § 0

A rua está movimentada como em qualquer outro dia.
Entre pessoas transitando, o casal conversa na calçada, próximos à esquina.
Estão alegres, entrosados, conversam como quem se conhece há anos. Logo vão se despedir. Cada um precisa ir para um local diferente agora.
Maqêdo olha de longe.
Está na esquina, ignorando os carros e pessoas passando. Só vê o casal.
Por algum motivo, eles o confortam. Seu entrosamento lhe dá uma sensação de leveza.
Olha fixo para eles, sacode os braços, está aprovando-os. Eles sim têm amor. Amor sincero. Disso Maqêdo entende.
Eles riem, percebem-no ali, percebendo-os. Riem desconcertados, lisonjeados. Têm a aprovação de Maqêdo. Isso é algo para poucos.
Ninguém mais o vê em celebração à emoção.
Se abraçam novamente, em comemoração.
Maqêdo abre seu sorriso sujo, sorriso sincero.
Em tanto tempo de vida (ninguém jamais saberá quanto), viu poucas vezes amor assim passar.
Vê concreto, muros, carros, mas ele já se esquecia do amor. Gradativamente foi sumindo de sua realidade, como um reflexo da realidade exterior, do mundo em que vive.
Ele sorriu, mas não só pelo casal. Sorriu por todos. Todos que se amam, que se gostam... Sorriu pela felicidade, pelo compartilhar, pelo dividir.
Sorriu por lembrar que em meio às pedras de sua cidade, sempre nascerão flores.
Maqêdo se sente leve.
De pouco em pouco, estão tirando o peso da sobriedade de seus ombros.
Está sentindo novamente a graciosidade da alienação.
A alienação por amor.

Artista do Espaço Sideral

sábado, julho 14, 2007 § 0

Me perguntam quem sou
Respondo "sou a dor"
Sou frescor
Sou conhecimento, sou a razão
Calor
Tesão

Querem saber que faço
Que asso? Quem caço?
Caço todos, todo dia
Vivo da carne de outros
Ardendo na minha, que agonia
Vivo do sangue, sou vampiro
Libertino

Me perguntam que cor tenho
Minha mão é vermelha
A outra é azul
De pintar o céu
Pintar o amor
Sou pintor
Sou escultor
Sou artista do mundo
Do universo
Do espaço sideral

Mineiro da Lua
Eletricista do Sol
Gari do lixo espacial

Me perguntam de onde venho
De seus desejos
Seus devaneios
Venho do bueiro, do esgoto
Do mar receoso
Das flores do canteiro

Cheiro a magnólias
A tulipas

Meus abraços de hera
De rosas vermelhas
Espinhos sinceros
Espinhos de amor
De um amor perfeito

Tenho mão vermelha
A outra azul
De pintar o céu
Pintar o amor
Sou pintor
Escultor
Sou artista do mundo
Do universo
Do espaço sideral

Poesia de Arranha-Céu

terça-feira, julho 03, 2007 § 0

O barulho dos carros não atrapalha. Até complementam. Fazem parte de uma sinfonia. São a base da música, o papel de parede, o cenário daquela peça.

Os atores são muitos, incontáveis, inimagináveis. Andando pelo infinito cenário, se tromba com todos eles, de todos os tipos.

Vou andando, vejo aquele de olhar distante, encostado na parede, procurando algo, alguém, onde está ela? Devo esperar? Estou preocupado. Olha esse cara bizarro passando, que cabelo é esse? Meu cabelo está bom? Deve estar muito chamativo. Aquele cara na parede tá olhando pra mim...

Pelo cenário, vê-se de tudo, de todos, todos os tipos, acostuma-se com tudo. Aquela roupa incompreensível se torna tão comum, divertida, te alegra os olhos. Pessoas felizes, sendo elas mesmas, as invejo, as admiro, me inspiram.

Inspiro outros, vejo nos olhares, olhares trocados, roubados, será que estava olhando pra mim? Como era linda. Droga, deixei passar. Será que estava olhando pra mim? Como era lindo. Droga, deixei passar.

Olhamos todos, procuramos alguém que procure também. Alguns já acharam, são felizes, os invejo, os admiro. Encontro-os nos becos escuros, nas salas de cinema, nas cadeiras de bar lado a lado, de braços dados, no meio da rua, num abraço apertado. Se beijam como jovens apaixonados, como se fosse o primeiro amor, a primeira paixão, a recriprocidade, a sensação de inédito, sensação de amor, meu Deus te amo, como te amo. Quero ficar aqui pra sempre, ele fala baixinho no ouvido dela, que estremece, te amo também, te quero pra sempre, pensa consigo. São amores fortes, amores de todos os tipos, de toda intensidade, ou sem felicidade, nem amor, só amargura, uma discussão no meio da rua, lágrimas caindo, gotas de chuva, o céu está cinza, está feio, sem alegria, sem amor, só uma recordação da tarde de sol que antes fora, só recordações, de um tempo bonito, de um céu cor de rosa. Aquela rosa que te dei. Te amei. Agora é só neblina. O tempo não vai melhorar. Preciso ir embora. Agora.

Vou correr, trombar com outros. O cenário é grande, os atores são muitos, são brutos, vazios de tudo. É oco, sem nada dentro, sem história, sem passado, olha pro nada, olhar vazio, vê nada, espera nada, nem ninguém, sem alguém, sem propósito, sem começo, nem meio, nem fim.

É noite, penduram a lua no fundo do cenário, atrás dos prédios, sorridentes, espectadores. Assistem a peça, os atores andando de um lado pro outro lá embaixo, cada um com sua história, sua felicidade, tristeza, sua pressa, sossego, cansaço, estou exausto, estou tão animado, a noite está linda, ficarei aqui pra sempre, meu celular está tocando. Cada um com sua história, seu começo meio e fim, suas conversas, meu celular está tocando, seus coadjuvantes, é meu irmão, e seus compromissos, preciso ir embora.
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