Amor Secreto

segunda-feira, fevereiro 11, 2008 Comments Off

Ela enche sua taça de um vinho caro qualquer que havia comprado, e então caminha lentamentamente até a sala de estar, e à grande parede da escada, que dava acesso ao segundo piso.

Com um sorriso nos lábios suave como o vinho que bebia delicadamente, admira, parada, as várias fotografias ao longo da parede; e nas outras mesinhas ao longo da espaçosa sala. Então seu sorriso começa a escorrer de seu rosto, sendo tomado por um sutil olhar de medo. Um medo suposto, incerto, futuro.

Morde os lábios enquanto começa a caminhar, então, até as fotografias. Uma por uma então, começa a retirar cuidadosamente as fotografias de suas molduras. E então caminha até a parede, onde pára sobre os degraus da escada, admirando os grandes quadrados contando histórias de si.

Ela bebe mais um gole, e apoia a taça sobre uns dos vários degraus, deixando as mãos livres para cobrir os quadros com os grandes lençóis que havia tirado de sobre os sofás, quando pela sala passara.

Não cobre todas as fotografias, assim como não havia tirado todas as fotografias de suas respectivas molduras. Só aquelas. Aquelas.

Ela sorri novamente no centro da sala, bebendo delicadamente, enquanto olha os grandes quadros cobertos e as várias molduras vazias. Sorri graciosamente. Não sente mais medo.

A maçaneta gira conforme ele atravessa a porta, com o mesmo largo sorriso de todos os dias. Sorriso de alívio de quem chega no lugar que quer, que deseja, que ama. Nem sequer tem tempo de fechar a porta atrás de si antes que seu sorriso escorra gelado por seu corpo, fazendo-o estremecer, ao não ver sequer uma de suas várias fotografias com ela. Seu olhar interrogativo direciona-se a ela.

Ela sorri como sorriu na segunda vez em que o viu. E na terceira. E em todas desde então. Mas sentindo que seu sorriso de resposta não seria resposta suficiente, usa seus lábios para contar de seu coração.

- Senti medo.

Em um único segundo a partir dessa resposta, inúmeras imagens e palavras e sentenças e estrofes poéticas tristes e felizes e dúbias e incertas passaram pela cabeça dele. No segundo seguinte, libera o óbvio.

- Medo de quê?

Em mais de um único segundo, ela sintetiza em sua cabeça uma resposta coerente que ele consiga compreender como os sentimentos que ela sentiu a fizeram compreender também.

- Tive medo de que as pessoas descobrissem nosso amor.

Em muito mais de um único segundo, ele assimila as poucas palavras que ela lhe dizia, que diziam muito mais do que ele esperava que pudessem dizer. Enquanto ela, segurando carinhosamente sua taça ao virá-la em direção a seus lábios, olha para ele pacientemente, ele concorda com cada palavra que ouviu, e principalmente, com todas as outras não ditas, escondidas por sob o silêncio do subentendimento.

- Sim, elas nunca o compreenderiam. Vulgarizariam-no como fosse a pintura do maior artista do mundo taxado de prostituta pútrida.

- Pior. Elas poderiam roubá-lo. O que temos é o ouro de todos os pobres deste mundo. Vivemos entre mendigos desnudos trepidando à nossa volta. Temos todo o alimento que lhes falta. Nossas fotografias são a vitrine da padaria. Não podemos correr o risco de sermos assaltados. De todos os bens que eu possa ter, meu amor é o único que não posso perder. Ele é meu. E seu. E só.

O sorriso dele volta a seu rosto, conforme vira a taça que havia enchido enquanto ela falava. Um sorriso sincero. De consciência.

- Sim... Muitos dariam tudo para ter o que nós temos. Muitos morrerão sem saber o que é isso que nós temos.

Ele ergue a taça em sinal de respeito, e vira-a em sua boca novamente, bebendo em respeito a eles, os mendigos do mundo, lamentando por eles que nunca saberão o que é o ouro.

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