Archive for 2010

O frio

terça-feira, novembro 16, 2010 § 1

O frio sempre acalma as pessoas.

Torna-as mais pacientes.

Pode-se ouvir o som do frio ronronando atrás de nossa nuca com aquela voz rouca envelhecida, dizendo-nos que tenhamos calma, que enxerguemos toda a situação com aquele olhar científico que sempre esquecemos ter.

Ele é aquele nosso familiar querido de grande experiência, dizendo-nos que se formos pacientes, tudo vai ficar bem.

Só o que temos de fazer é confiarmos nas palavras do velho sábio que talvez já tenha visto muito nesse mundo.

De fato, numa hora de necessidade, o frio é sempre alguém em quem podemos confiar.

Hipermetropia

domingo, outubro 24, 2010 § 0

É reconfortante constatar que o problema do ser humano não passa de uma simples hipermetropia.

A proximidade para o ser humano sempre o faz exergar sua vida disforme.

Tudo o que nós precisamos é apenas nos distanciarmos um pouco para conseguirmos enxergar as coisas como elas realmente deveriam ser.

Um Cuspe na Cara e Outras Criatividades

sábado, outubro 23, 2010 § 0

A humilhação de um ser humano contra outro é a maior e mais sincera demonstração de desumanidade por aquele que humilha.

As Longas Projeções

§ 0

O lamentável para o ser humano é sua constante limitação a apenas alguns poucos breves momentos de lucidez.

Durante todo o restante do tempo, ele insiste em agir apenas como uma rasa projeção de um personagem equivocado, tentando sempre ser alguém que não ele próprio.

O lamentável, verdadeiramente, é ser impossível de se enxergar a pessoa que ele realmente deveria ser, a não ser através de alguns daqueles poucos e breves momentos de lucidez.

Felicidade

quinta-feira, outubro 21, 2010 § 0

Ficar feliz não é normal. Ficar feliz é meta.

Carma

quarta-feira, outubro 20, 2010 § 0

O decepcionante para alguns é a constatação de que, sim, merecemos a vida que temos.

Para outros, só o que existe é a chance de construir sua vida como sonha.

E, no fundo, estamos falando todos o mesmo.

Dario

sábado, outubro 16, 2010 § 1

Quando Dario nasceu, sua mãe não pensou em outra coisa. Enfiou-lhe cem grãos de feijão nos bolsos de seu macacão, a primeira roupa que Dario vestiu, e não tirava enquanto ele a vestisse. Quando o recém-nascido precisava trocar por outra roupa, ela não hesitava: trocava os cem feijões de lugar também.

Não havia um único instante em que Dario estivesse sem seus cem grãos de feijão.
Depois de algum tempo, sua mãe se encoraja a deixá-lo sozinho no carpete da sala de estar. O deita confortavelmente com as costas no chão e ele sacode as pernas e braços no ar, percebendo a imensidão do chão de uma sala de estar. Ela se afasta e assiste. Em pouco tempo, ele toma força para se virar de lado, e então de bruços, e então toma toda a força do mundo e a coloca em seus braços e pernas para, imagine, engatinhar!

Com alguns tropeços no começo, ele logo se acostuma e toma gosto pela coisa. Engatinha incessantemente de um lado para o outro sobre o infinito carpete da sala de estar. O céu era o limite, e este tomava forma como a porta da cozinha.
Sua mãe, vendo o sucesso de Dario, não hesita: pega seu Hércules nos braços, abraça-o forte, e retira um grão de feijão do bolso de seu macacão. Dá-lhe um gostoso beijo em suas gorduchas bochechas. Parabéns, filho.

Em pouco tempo, sua mãe já se surpreende com Dario empurrando a porta da cozinha, a porta do quarto e a porta do banheiro. Sua mãe anda com cuidado pela casa, sabe que não existem mais limites para Dario. Tudo era possível.

Ele engatinha pelo carpete em direção ao sofá. Estica seus grossos bracinhos tentando alcançar a parte mais alta. Segura forte, enquanto força suas pernas, tentando se levantar, se esticando, se esticando, até estar inteiramente em pé, equilibrando-se em suas pernas e segurando-se no sofá. Ele estava em pé.

Anda de um extremo ao outro do sofá até se sentir confiante. Dario sente que tudo o que o separa de sua mãe na cozinha são suas próprias pernas. Dario não hesita: atravessa a porta da cozinha e abraça as pernas de sua mãe com toda a força do Hércules que ele era, sua mãe pega inteiramente despreparada, sua felicidade escorrendo pelo rosto. Ela não tinha dúvidas: coloca a mão no bolso do short azul de Dario e retira um grão de feijão, que mostra para ele com toda a felicidade do mundo antes de jogá-lo dentro da pia, desaparecendo encanamento afora.

No dia seguinte, quando Dario tinha oito anos, era comum ver seus amigos dentro de sua casa, ou ele na casa de seus amigos, ou ele e seus amigos todos fora de suas casas. Seus amigos, dia após dia, descobriam uma novidade que o mundo tinha a oferecer. Primeiramente, descobriram um após o outro, que era possível algo que todos diziam ser impossível: mentir. Descobriram que era possível dizer algo quando na verdade gostaria ou deveria dizer outra – e ninguém conseguiria descobrir. Descobriram então, por conseqüência, que suas mães não liam suas mentes.

Foi um momento chocante na vida de Dario e de todos os seus amigos.

Em pouco tempo, novas descobertas chegariam. Alguns dias depois, Dario tinha onze anos e seus amigos haviam descoberto o cigarro. Eles não sabiam bem como funcionava, mas haviam memorizado o procedimento: segura-se assim, acende esse lado e põe esse outro lado na boca, e faz como se estivesse bebendo Coca-Cola no canudinho. Sucesso.

Dario teve pouco tempo para pensar se deveria ou não fazer como seus amigos. Enquanto se revezava entre tragar, tossir e cuspir, não tirava a outra mão do bolso de sua calça. Passava seus dedos miúdos por entre os oitenta e dois grãos de feijão que ainda restavam. Quando ele aprendesse a fumar perfeitamente como sua mãe, certamente ele teria um grão de feijão a menos no bolso. Tragava rápido e tossia forte, ansioso.

Seus amigos logo descobriram que poderiam sair do mercado com sua bolacha preferida sem pagar, se ela estivesse bem disfarçada dentro de sua roupa. Ganhava quem chegasse do lado de fora com mais itens. Dario sempre perdia. Não havia muito espaço para esconder itens quando se carrega oitenta e dois grãos de feijão nos bolsos. Infelizmente, quem perdia deveria ficar dentro do círculo formado pelos seus outros amigos enquanto eles lhe chutavam e davam socos por dois minutos. Era a regra.

Dario não teve dúvidas: chegou a sua casa, procurou sua mãe e decidiu lhe mostrar o que aprendera. Tirou um cigarro do bolso e se preparava para mostrar para sua mãe como ele conseguia ser tão bom quanto ela. Não entendeu a aversão de sua mãe, seus berros, o tapa em seu rosto, e o grão de feijão novo que ela colocava agora no bolso de Dario. Dario em seguida chorou, não pela aversão, os berros ou o tapa no rosto, mas porque não só não havia diminuído a quantidade dos grãos de feijão como agora tinha um a mais do que antes, e isso não era justo.

Na vez seguinte em que ele e seus amigos competiram, Dario perdeu novamente. Só conseguiu levar um iogurte, com muito esforço. Seus amigos formavam a roda quando Dario começou a se lamentar. Não queria apanhar novamente. Seus amigos então decidiram criar outras regras para ajudar o amigo. Decidiram que quem perdesse e fosse para dentro da roda, ao invés de levar chutes e socos, deveria cumprir algum pedido sexual dos outros na roda.

Foi então que Dario e seus amigos descobriram o sexo.

Dario sabia que aquilo não lhe valeria de nenhum grão de feijão. Começava a entender o que sua mãe queria saber que ele fazia – e, conseqüentemente, valendo-lhe dos grãos – e o que ela não queria saber.

Desse dia em diante, criou-se um embate diário de novos grãos que chegavam aos seus bolsos e outros – pouquíssimos – que mereciam ser jogados fora.

Aos dezenove, Dario havia alcançado a impressionante marca de quarenta e nove grãos de feijão, mas quase não se lembrava mais disso. Não havia muito contato entre ele e sua mãe, logo, havia cada vez menos oportunidades para ela decidir se ele merecia perder um grão ou se deveria ganhar outro. Foi se tornando cada vez menos importante e, apesar disso, Dario continuava a carregá-los diariamente.

A importância dos grãos logo foi substituída por valores mais emergenciais. Logo, Dario tentava de todas as formas encontrar uma forma de renda para sair daquele lugar e começar uma vida só sua para se orgulhar. Descobria hoje outra novidade do mundo: o dinheiro.

Percebia que tudo que regia o mundo que conhecia era apenas isso, logo, percebeu que era essa a única coisa que o prendia ali.

Tentou um emprego no mesmo mercado que furtava até pouco atrás, mas o dinheiro era pouco e o trabalho entediante. Tentou trabalhar com crianças em festas de aniversário, mas parecia que quanto mais sorria, menos divertido aquilo se tornava – e o dinheiro continuava pouco. Tentou uma mistura de opções, trabalhando em uma locadora de vídeos de dia, distribuindo folhetos durante um período no fim da tarde, e em uma pizzaria à noite. Entendeu em poucos dias que ele era apenas um, e não cabe em uma única pessoa o cansaço de três – e, assustadoramente, o dinheiro parecia não se modificar.

Pesquisou, entrevistou seus amigos, conhecidos, e todos pareciam ter os mesmos conceitos de o que deveria gerar dinheiro, o que nunca geraria dinheiro, e o que não passava de piada – apesar de gerar dinheiro.

Os dias pareciam passar mais rápidos e a necessidade de sair daquele lugar parecia cada vez mais imediata e inadiável. Entendeu que a única forma de mudar imediatamente seria através de uma solução com resultados imediatos. Foi nesse dia que Dario descobriu que, no mundo, outras novidades podem surgir através de outras novidades já conhecidas. Então, Dario descobriu: sexo mais dinheiro igual a mais dinheiro.

Sua primeira vez ocorreu como esperava: constrangimento, dor, dinheiro. Ao chegar a sua casa, foi direto ao chuveiro. Tomou o banho que pareceu ser o mais longo de sua vida. Saiu dele, vestiu-se, foi até a cozinha, pegou um grão de feijão do pote de sua mãe e colocou em seu próprio bolso.

Os resultados eram tão imediatos quanto lhe disseram que seriam, e logo surgiu a necessidade de descobrir uma forma de camuflar essa forma de renda. Olhou para seus quarenta e nove feijões e tudo o que conseguia pensar era que não queria novos feijões.

Sua mãe sentava em um dos sofás de frente para a TV, assistindo ao mesmo programa de todos os dias, o cigarro na mão. Dario sentava-se no outro sofá, seus tênis rasgados sujando aquele mesmo carpete que lhe valeu seu primeiro grão de feijão. Decidira contar a sua mãe uma novidade. Depois de muito enrolar, tomou fôlego e lhe contou.

Sua mãe não conseguia conter-se de felicidade ao saber que seu filho havia acabado de ganhar um emprego como auxiliar de Contabilidade. Não conseguia encontrar em sua memória quando Dario havia se sobressaído com números, mas isso não importava. Vendo o sucesso de Dario, ela não hesita: pega seu Hércules nos braços abraçando-o forte, e retira vinte grãos de feijão dos bolsos de seu jeans amarrotado. Dá-lhe um gostoso beijo em suas magras bochechas. Parabéns, filho.

Em pouco tempo, Dario empacotava suas coisas para finalmente ir embora daquele lugar. Ia morar na Cidade Grande. Já tinha o lugar e as pessoas arranjadas. Sem hesitar, Dario se foi, com duas malas de roupas, uma mochila com itens pessoais, sessenta grãos de feijão nos bolsos e um beijo de sua mãe.

Na Cidade Grande, Dario já enviava dinheiro para sua mãe freqüentemente enquanto pagava seus próprios estudos e sua própria moradia.

Dario continuava com os mesmos sessenta grãos de feijão nos bolsos.

Com um diploma em mãos, decidiu seguir uma carreira da qual pudesse se orgulhar. Consegue um emprego na Política, e logo espalha a notícia para todos que pudessem ouvir. Sua mãe vem até a Cidade Grande para parabenizar o filho e retirar-lhe dez grãos de feijão dos bolsos.

Dario esperava que sua mãe retirasse mais grãos do que apenas dez. Decide se esforçar ainda mais. Com seus colegas políticos, estudam candidatá-lo a um pequeno cargo de Vereador. Seu chefe diz que sua chance de candidatura era iminente em troca de um único favor.

Dario mal pode esperar para ver aqueles feijões longe de seus bolsos. O que é um feijão a mais por outros vinte a menos?

Ele não só vence, como em pouco tempo surgem novas candidaturas e novas vitórias. Quem não votaria em um rosto jovem, bonito e esperançoso? Tudo era inédito e todos à sua volta viviam em êxtase e excitação. Dario, aos vinte e nove anos, é anunciado Governador de seu estado.

Sentia tremer seu corpo todo, sentia tonturas vez ou outra. Nunca havia se sentido tão ansioso assim em toda sua vida. Contava os minutos em seu relógio. O telefone em seu escritório toca e sua secretária anuncia. Em instantes, sua mãe está em seu escritório parabenizando seu filho. Mal podia acreditar. Seu filho, Governador.
Põe as mãos nos bolsos do filho e retira outros dez grãos de feijão. Sem mais, sua mãe vai embora de volta à sua cidade. Seria a última vez que ela retiraria grãos dos bolsos de Dario.

Aos trinta e cinco anos, Dario é avisado do falecimento de sua mãe.

Sem sua ajuda, ele entende que tudo dependeria de si próprio. Dario ignorava a corrupção em troca de liberdade de realizações. Conseguia assim concluir muitos de seus projetos e ações. Muda leis a favor da população, visita áreas que todos fingem não existir, cria centros de ajuda para grupos de pessoas que todos também fingem não existir. Um grão a mais por corrupção, um grão a menos por satisfação social.

Visando o crescimento de Dario na Política, seus colegas tentam estimulá-lo a ter um filho, uma família. Seria bom para sua imagem. Dario confia que a criação de uma família poderia ser algo pelo qual se orgulhar.

Conhece uma mulher, namoram, ficam noivos. No dia de seu casamento, Dario põe um novo grão de feijão em seu bolso.

Vivem juntos, têm dois filhos gêmeos. No dia de seu nascimento, Dario põe dois novos grãos de feijão em seu próprio bolso.

Seus filhos crescem e vivem felizes, não deixa faltar nada para ninguém. Cada um investe em sua própria carreira e cresce dentro dela, e sua esposa também, sempre buscando seus próprios objetivos.

Dario deixava todos felizes.

Aos cinqüenta e dois anos, já não tinha mais nenhum envolvimento com a Política, seus filhos já faziam sua própria história e sua esposa já não era mais sua.

Morreu aos cinqüenta e três em sua casa, assistindo TV, seus pés descalços sobre um carpete caro.

Ao buscarem a roupa que seu pai vestia quando foi levado ao hospital, lhes entregam uma sacola com todos os itens. Seus filhos abrem a sacola e retiram apenas uma camisa branca, um cinto, e uma calça da qual caem alguns grãos de feijão. Intrigados, eles pegam todos os grãos e os contam sobre uma mesa.

Havia ali exatamente cem grãos de feijão.

Dario e o Pé de Feijão

§ 0

Se quando você nasceu tivessem-lhe colocado 100 grãos de feijão nos bolsos para que jogasse fora um a cada conquista em sua vida, com quantos você estaria hoje?

Con

sexta-feira, setembro 17, 2010 § 0

Eu sempre tento ser político, razoável, o mais maduro.

"Não parece" você deve estar pensando agora.

Como você é previsível.

Meeting

terça-feira, setembro 07, 2010 Comments Off

Quando é que você vai se encontrar?

Mais rápido que tudo

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- Aonde você está indo com tanta pressa!?

Claro que ele não ouviu.

Como você pode dizer, enquanto ele corre mais rápido que tudo, que ele está correndo demais?

Foi então que ela correu também.

Ibrikless

terça-feira, agosto 31, 2010 Comments Off

Somente com o cheiro de um bom cigarro e uma suave xícara de café você poderá saber quão prazeroso será seu dia.

A Morte, Para o Bem

quarta-feira, agosto 11, 2010 Comments Off

A vontade que eu tinha era de dizer a eles a verdade: que eu sou imortal.

Que, desde o dia em que fomos apresentados, eles ouviriam falar de mim pelo resto de suas vidas, direta ou indiretamente, independentemente.

A vontade que eu tinha era de dizer a eles que ficassem tranqüilos.

Que engolissem a amargura e aceitassem, para o bem, que eu estaria presente em seus ouvidos para o sempre, para o bem.

A vontade que eu tinha era de ser aceito, imortal, entre eles, que morreriam.

Mas a verdade eu nunca disse, aquela vontade. Ao querer que engolissem minha verdade, entendi que era eu quem deveria engolir a mentira deles, de que eram eles os imortais e eu, pobre de mim, que morreria em breve.

Viverei toda a minha imortalidade fingindo estar esperando a morte fingindo estar admirando a imortalidade deles, os que morrerão.

A vontade que eu tinha era de dizer a eles a verdade: que eu sou imortal. Para o bem.

Mas me enterrariam vivo, para o sempre.

Para o bem.

Além

domingo, julho 18, 2010 Comments Off

Existe uma linha.

Talvez nunca a ultrapasse.

E ainda assim, é possível ser feliz(?).

Como eu gostaria de tirar sua roupa

quinta-feira, julho 01, 2010 Comments Off

Existem perguntas que não se faz.

Como uma breve consciência prévia de uma resposta despida, certas perguntas não fazemos, como conscientes prévios da nudez do outro.

No fim, de qualquer forma, estamos ambos, ele e eu, conscientes, precavidos e, o mais importante, nus.

Balanço

quarta-feira, junho 23, 2010 Comments Off

Sem dúvida, eu sempre sentirei mais respeito por aqueles que me desgostam com razão àqueles que me idolatram sem pudor.

Um bom homem come o miolo e joga as cascas para voltar ao lar

quarta-feira, março 31, 2010 Comments Off

Em uma pequena aldeia, seu líder, um senhor de grande idade, adoece e tem sua saúde comprometida cada vez mais, a cada dia que passa.

Com isso, o povo do vilarejo fica inquieto, apreensivo, com medo do destino que sua vila pode tomar sem a liderança de seu senhor.

Nos seus últimos dias, no fim de uma manhã, ciente da preocupação que tomava conta de sua pequena aldeia, o senhor decide caminhar um pouco para tentar acalmar seu povo, e chama alguns de seus mais nobres homens para acompanhá-lo. Eles aceitam, obviamente, também preocupados que possa acontecer algo com seu senhor durante o longo percurso que ele estava disposto a percorrer.

No meio do caminho, depois de pouco tempo andando, o senhor pára em frente ao que deveria ser o início de uma das florestas que circunda a aldeia, e anda em direção a ela.

“Mas, Senhor, essa floresta nós nunca exploramos.”

“Mas eu gostaria de caminhar por aqui.” E assim eles o seguem.

Já no fim da tarde, o sol se põe, e o Senhor acende sua tocha para que eles possam continuar sua caminhada. Depois de um longo caminho percorrido para dentro da mata, o senhor começa a sentir grande cansaço e dores em suas pernas, que o obrigam a parar para descansar. Seus homens se afligem largamente, temendo que o pior acontecesse a seu líder, e tentam, assim, aliviar suas dores e repor suas energias.

Apesar de todos os esforços de seus homens, o senhor se sente pior a cada minuto que passa, não obtendo forças para guiar seus homens para fora da mata novamente. Assim, um deles tem uma grande idéia.

“Senhor, dê-me sua tocha, para que assim eu possa encontrar nosso caminho para fora dessas árvores, enquanto nossos homens te carregam seguindo-me.”

E o senhor se negou a entregar-lhe sua tocha.

“Mas, senhor, se não o fizer, nós nunca sairemos daqui.”

“Desculpe-me, meu homem, mas minha tocha não posso lhe entregar.”

E assim, outro teve outra diferente idéia.

“Senhor, poderia então me dizer onde encontrar uma tocha aqui nesta mata, já que a conhece tão bem, para que assim eu possa levar nossos homens para fora daqui.”

O senhor abre um grande sorriso, e responde-lhe.

“Isso eu também não posso fazer.”

Antes que o homem pudesse questionar seu líder, outro homem já se pronunciava, com o peito cheio e a voz límpida de quem havia matado a charada.

“Senhor, carregar-te-ei em minhas costas, e o senhor nos guiará para fora dessa terra sem fim.”

O senhor abre um sorriso ainda maior que o anterior e diz, com a voz já fraca das dores que sentia e da força que perdia.

“Isso, meu homem... Isso eu nunca faria também.”

Seus homens ecoam reprimendas pela floresta, perplexos com a atitude de seu líder que, a essa altura, já queriam abandonar ali, mas não o faziam porque tinham medo da floresta desconhecida que não sabiam como abandonar, e então decidiram ficar ali, à espera do amanhecer para, então, encontrar o caminho novamente. Mas a cada hora que passava, a fome apertava seus estômagos vazios cada vez mais, se tornando impossível ignorá-la.

Assim, no meio da noite, um dos homens do senhor entra na mata, abandonando o grupo. Os outros homens, ao notar sua ausência, riem e chamam-no de covarde e egoísta. Mas com tamanha fome, alguns já começam a considerar a idéia de fazer o mesmo, e abandonar o grupo em busca de comida antes que outros fizessem o mesmo.

Depois de a fome torturar-lhes por uma hora, os homens vêem uma pequena luz no meio das árvores se aproximando rapidamente, fazendo grande barulho por sobre as folhas caídas, e se preparam para atacar quando, então, notam ser o desertor voltando, agora com uma tocha feita de lenha e de parte de sua própria roupa. Ele, então, vira para o senhor e lhe diz, sem qualquer cautela:

“Senhor, agora tenho uma tocha e não importa o que disseres, irei procurar nosso caminho para fora daqui enquanto outros te carregam, ou seus homens morrerão de fome aqui e suas famílias ficarão desamparadas, e isso eu não quero.”

O senhor, então, levanta-se tranqüilamente e posiciona-se próximo ao homem da tocha.
“Carregar-me não será necessário. Mas, podemos ir, então?”

Os outros homens então, surpresos, questionam.

“Mas, senhor, não estavas machucado e desgastado?”

“Estou velho, mas ainda posso caminhar de volta ao meu lar.”

“Por que não o fez, então?”

“Porque nós precisávamos encontrar nosso novo líder antes que o velho líder morresse de uma hora para outra, sem nunca poder transmitir seus conhecimentos.”

“E por que não me passou sua tocha, para que eu pudesse nos guiar de volta para nossa vila?” o primeiro homem indagou.

“Porque um líder não é alguém que entregamos uma tocha acesa dizendo-lhe ‘lidere’. Um líder é aquele que não hesita em entrar no breu da mata desconhecida em busca de lenha para criar sua própria tocha e liderar seu próprio povo.”

E então o senhor apaga sua tocha no chão, deixando-a ali, e agrupa-se com os outros nobres homens restantes, esperando, então, que o homem com a nova tocha diga-lhes o caminho, para que todos reencontrem o conforto de suas famílias, em sua vila, ordenadamente.

Aritmofobia

quarta-feira, janeiro 06, 2010 Comments Off

É quase como se fosse uma ofensa. Um golpe. Um tiro. Um tiro à queima roupa. Seja quem for, é certo que reagirá como se estivesse nu frente a essa pergunta, como se isso certificasse seu próprio valor; como se você custasse o quanto recebe.

"Qual seu salário?"

Os pêlos dos braços se arrepiam, a espinha gela, sentimos nossa coluna levemente se repuxar, pedindo para que troquemos de posição, e disfarçar o tamanho constrangimento, para então darmos uma resposta qualquer que estejamos habituados a dar de acordo com nossa personalidade.

Alguns são sinceros e declaram-se constrangidos; optam ou não por responder; respondem mentiras; e alguns poucos, raríssimos, respondem diretamente, secos, tão objetivos quanto a própria pergunta fora anteriormente, sem medo de um número, de o que ele possa representar, da reação que o outro possa ter, de seus julgamentos, independente de tudo. Seco. Um número. Uma resposta.

Esses são raros. Talvez sejam esses os que não temem seus objetivos. Nem temem não alcançá-los.

Talvez, o constrangimento do número seja pela confrontação. Não por revelar um segredo interno, por revelar o quanto vale seu dia-a-dia, por revelar quais restaurantes você pode freqüentar e quais não, quanto você provavelmente dá de gorjeta... Por nada disso. Talvez o medo seja pela confrontação de se enxergar até onde você foi na sua própria expectativa. Talvez, nos sentimos tão nus frente à pergunta por enxergarmos, naquele momento, o quão próximo estamos de nossas conquistas. E é esse o medo que temos.

Trabalhamos não pelo número. Nunca foi pelo número. Quantas vezes trabalhamos por números pequenos considerando a realização que aquilo nos traria? Mas, hoje, enxergamos o número como um parâmetro para medir nossas conquistas.

Nos envergonhamos frente à pergunta pelo medo de olhar nossa "barra de status". Para ver até onde nossa barra está cheia. Quanto falta para completá-la. Pelo medo de criarmos o paralelo entre a idade que temos, entre tudo o que já fizemos, o quanto já sofremos e vivemos, e o quanto já conquistamos. Porque esse paralelo, sim, nos dará o resultado de quanto falta para chegarmos aonde queremos. E é preciso uma confiança enorme para olhar para o resultado dessa equação.

É preciso uma confiança enorme para declarar, de forma seca e objetiva, um número. Um simples número. É preciso ter calma, viver plenamente, sem dúvidas, sem deixar nada passar, para se ter a tranqüilidade de olhar para si mesmo em terceira pessoa e ficar contente com a vida que se tem. É preciso confiança para se olhar o quanto falta para chegarmos aonde querermos e dizer que "está tudo bem, logo vem".

Só uma vida vivida vividamente, dia-a-dia, pode nos dar a calma necessária para poder enxergar tudo aquilo que ainda não somos e ainda assim não entrarmos em pânico.
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