Archive for 2007

Démon

segunda-feira, dezembro 31, 2007 Comments Off

- Save me now, for I am Death, and shall not have the mercy of the end.

- Salvação nenhuma tens a ti reservada, pois, pelos caminhos da eternidade por demônios sejas conduzido.

Honra de Homens

Comments Off

- Te amo como meu amigo, meu irmão, meu pai, meu filho... Mas sabes que deve ser feito.

- O sei bem. Mas amor nada tem a ver com isso. Não camufle a lama com flores. Seja homem, honre teu ato. Não perca a dignidade e o faça tão cedo possa.

- Abandone esse manto de amargura, meu irmão, que verá que é por amor que isto faço. É pelo amor que tanto sinto por ti que o faço olhando em teus olhos. Abrace-me. Encontre em meus braços o amor do fim.

O outro, então, caminha, de cabeça erguida, e o abraça.
Ele segura a cabeça do outro, conforme esse vai perdendo as forças aos poucos, caindo ao chão.

- Adeus, meu irmão.

Limpa sua adaga, guarda-a bem, e se vai.

Confissões de Amor

sexta-feira, dezembro 28, 2007 § 0

Sinto, às vezes, certo ciúmes.
Não, de ninguém.
Sinto, às vezes, certo ciúmes das palavras bonitas que nunca sairam de mim.
Certas vezes, gostaria de exprimir de mim a paixão efeverscente de Thalita Peron. Sua simplicidade para dizer tudo em muito pouco, para resumir o amor em três linhas, e nos fazer parar no final para nos mostrar que, não não, o amor vai muito além disso.
Sinto, às vezes, vontade de agradecê-la publicamente por carregar consigo seu caderninho de anotações.
Agradecê-la por expressar tão bem em palavras o amor inteiro que sinto. O amor em mim, de todos os dias.
Continuarei a escrever sobre tudo, sobre as tristezas e amores de todos... Porque de mim não preciso escrever. O amor que sinto está nas palavras dela.

Minha confissão é uma carta de agradecimento.
Obrigado.

A você,
Thalita Peron.
Minha irmã.

Obrigado.

De Poder e Movimento

§ 0

Ele, então, sai correndo até o armário em seu quarto, que revira, até encontrar sua câmera filmadora. Tenta ligá-la enquanto volta correndo à sala. Pára em frente a seu amigo, há certa distância, e segura firmemente a câmera apontada a seu amigo, enquanto olha diretamente nos seus olhos, e diz, com uma assustadora segurança e determinação:

- Mãos ao alto.

O amigo permance calado por algum tempo.

- Isso não é uma arma.

Ele respira fundo.

- Sim. Isso é.

Flores, Meu Amor

sexta-feira, dezembro 21, 2007 § 0

Porque, você sabe, são flores que trago hoje para você. São clichés, sim, sei bem, mas toda beleza é cliché, porque toda felicidade que existe, existe para todos, e tudo que é belo para todos é cliché. Então, de todas as belezas, escolhi a mais sincera. De todos os clichés, selecionei a dedo o de perfume mais doce, o mais macio e gracioso, o cliché mais gratificante. De todos os clichés, escolhi você. As flores são só para acompanhar.

Teatro de Areia

sexta-feira, dezembro 14, 2007 § 0

- Não sei. Talvez quando estava mentindo, estava dizendo a verdade. Já não sei mais. Meus personagens falam através de mim, usam minha boca... Não, não... NÃO! Eu falo através de meus personagens, uso sua boca... Não, não... Não? Sim. Sim, sim... Sim? Sim o quê? O que falei? Eu falei? Não não, não falei. Eu atuei. É diferente. Estou incorporando outros personagens, outras vidas. Estou vivendo a vida dos outros. Não. Estou mentindo. Estou vivendo minha vida disfarçada da vida dos outros. Estou atuando. Estou..? Atuando..? Não. Estou contando verdades disfarçadas de mentiras. De personagens. Estou vivendo outros personagens sob a carcaça de mim mesmo. Ahm.. Não. Estou vivendo minha carcaça disfarçada de outros personagens.

Coração

quinta-feira, dezembro 13, 2007 § 0

- Pare de chorar.

- Não consigo. Já disse. Meu coração está se rasgando.

- "Rasgando"? Não seria rachando? Quebrando? Despedaçando?

- Não. Rasgando. Se tivesse se despedaçado, seria simplesmente como uma pedra se quebrando. Doeria na hora. Mas não. Vivo a tortura de sentí-lo se repuxando, esticando, rasgando aos pouquinhos... Rasgando. Não quebrando, não rachando. Rasgando. As pessoas que lamentam ter o coração despedaçado não sabem o bem que isso é.

Dialogue

quarta-feira, dezembro 05, 2007 § 0

- Maybe...

- Maybe what?

- Maybe you don’t know what you say.

- It’s gonna be like that from now on?

- Like what?

- "You this, you that..."

- That depends.

- On what?

- On what you wanna be. I can stop talking right now, but it doesn’t depend on me. I don’t talk because I want to, I talk because you give me reasons to.

- Where are you trying to get to?

- Nowhere. Just like I said, doesn’t depends on me. We can go anywhere, it just depends on you.
The world is too perfect when I’m with you. You can take me to Hell, that it’s gonna become a comfortable place, if I’m there with you.

- Are you saying I should go to Hell?

- I’m saying you should take me anywhere; I’m yours. I’m yours as I was never anyone else’s.

- Don’t you think it’s missing a little bit of pride in you?

- Don’t you think it’s missing a little bit of passion in you?

- I don’t need passion.

- Sure, just like I don’t need the oxygen in my lungs either.

- Of course you need. Without it, you’ll die.

- Exactly.

- What’s your point?

- You.

- You’re already here, me too.

- Maybe...

- Maybe what?

- Maybe your way to see the distance is different than mine.

- I doubt it. I measure in meters, like everyone else.

- The world is too theoretical for you. You measure in meters, but you can’t measure passion like that.

- But I told you already I don’t need passion.

- And who said I was talking about you?

- Oh, so that’s how it’s going to be?

- How what?

- "You this, you that...”

- Dejà vú feeling.

- Maybe you should start keeping your words to yourself.

- Maybe you should start listening more what people have to say to you.

- And what do you have to say to me?

- Nothing.

- What do you mean “nothing”?

- Well... It’s not a matter of what I have to say to you, but a matter of what you’ll be willing to listen.

- Why do you persist with all these words games? Don’t you ever get tired of this sick game?

- You consider word a sickness? Oh, now I get your great health.

- Your tentative to offend me won’t take any effect.

- Already did.

- How?

- You just mentioned it; sign that you noted, so, it had effect.

- Leave me in peace.

- Maybe...

- Maybe what?

- Maybe you don’t know what peace is.

- Maybe you don’t know who yourself are.

- And who are you to discuss who am I or am I not?

- I am the person you love.

- I do not love you. I never did.

- You love me, yes. You feel passion, you feel love, you feel hate, you feel pain, you feel pleasure. You feel pleasure in hating me, and feel hate in loving me.
I’m everything you ever wanted, everything you never wanted. I am everything.

- Including arrogant.

- And who are you to tell me what am I or am I not?

- I am the person you hate. You love to hate me, you feel pleasure in hurting me. Perhaps that’s our greatest problem.

- What?

- I love you and I hate you, and I need your despise, to love you more and more. And you need my love, to despise me more and more. You fell in love with me. Fell in love with despising me, and I fell in love with been despised.

- Maybe...

- Maybe what?

- Maybe you’re wrong.

- Maybe you haven’t fell in love with despise?

- Maybe I’m not in love with anything.

- Maybe we should stop right here.

- Why? Have you reached the conclusion that you mean nothing to me?

- I have reached the conclusion that I mean everything to you, but it’s not apt to me to announce it. You shall realize, but on your own, and in the right time. And by the time you realize I mean everything to you, you won’t mean anything to me anymore. And even then, we’ll still be in the same place we were from the beginning, proving that, wherever are our choices, I am everything to you, and you are everything to me.

- Maybe...

- Maybe what?

- Maybe, simply, as always, maybe.

______

> Original em PT > Clique aqui.

Vivian Franco

segunda-feira, dezembro 03, 2007 § 0

Com uma perna frente à outra, sem mover qualquer outra parte do corpo, ele caminha até a poltrona. Com sua taça de Mitolo erguida à altura do peito, ele deixa claro que aquele recinto é seu.
Senta-se levemente, olhando fixo para o outro, jogado sobre o sofá no extremo oposto da sala.
Uma pessoa comum poderia achar, à primeira vista, que seus olhos fossem inexpressivos. De uma escuridão absoluta, seus olhos tinham uma sedução bem diferente de as de seus irmãos.
Seus olhos negros criavam um abismo, onde a pessoa que o olhava, sem perceber, se deixava levar pela sua profundidade, leve e sutilmente.
Vivian não precisa de sorrisos de canto, Vivian não prostitui seu olhar. Sua concentração é sua sedução. Enquanto as pessoas se deixam flutuar nas águas negras de seus olhos, ele permanece imóvel, petrificado, petrificando os outros como gelo, deixando sem reação, sem controle, sem conseguir respirar, ofegando, suando...

Vivian Franco domina invisivelmente como um vampiro no espelho. Quando você percebe, seu sangue já escorre por sua boca. E você gosta, você sente prazer, você agradece, ofegando em sílabas distorcidas, "obrigado...".

Vivian leva a taça à boca, e desvia o olhar, com a feição inalterável, bebendo suavemente, enquanto responde em sua mente "Não agradeça. Não o fiz por você".

Rascunhos de Ventos

quinta-feira, outubro 11, 2007 § 0

E ainda que nos chamem de loucos, lhes diremos que o são todos.

E que nos peguem, nos joguem pra cima, e rodopiemos no ar, que cairemos nas pontas dos pés e começaremos a dançar.

Maqêdo | Um Olho Tapado

sábado, agosto 18, 2007 § 0

Passos decisos.
Ele sabe onde está indo. Carrega toda sua vida nas costas, mesmo que sejam apenas seus trapos, mas carrega. Não perguntem a ele onde vai, porque não responderá. E não fiquem em seu caminho. Maqêdo não faz curvas.

Passos rígidos.
Sem uma tontura sequer. Sem cambalear para os lados. Ele não tem mais dúvidas, hesitações, nada. Pode o mundo cair em reprimenda a ele, que não o afetará em nada. Ele sabe onde ir.

Passos de lucidez.
Pensa consigo, poucos podem gozar de tamanha lucidez. Os outros estão tão enclausurados em seus mundos ilusórios, que acabam tomando a lucidez pura e sincera de Maqêdo como a própria insanidade. Mas ele não se importa. Sabe que a perspectiva que tem com seus dois olhos o levará muito mais além que o resto do mundo com seu único olho e sua visão sem noção de distância.

Neutro

segunda-feira, agosto 13, 2007 § 0

É tudo sobre a beleza do céu monocromático.
Sobre os pensamentos coloridos escondidos debaixo de nuvens cinzas.
É uma felicidade pessoal, interior. A felicidade da garoa caindo, do vento gelado...

Gotas de memórias. Memórias de amores, de abraços intensos.
O inverno é o pano de fundo.
Se não tivéssemos o frio, nossos beijos não seriam tão quentes.

É a beleza do céu monocromático.
As cores neutras que expressam mais que qualquer vermelho.
É o frio na espinha, arrepiando o corpo todo.

Arrepio de paixão.
Paixão azul, paixão cinza.

Paixão de gotas de chuva.

Ataque de Paz

quarta-feira, agosto 08, 2007 § 0

É tudo sobre aquela sensação gostosinha.

Aquele momentinho só meu, todo encolhido, abraçando as próprias pernas.
Um sorriso de canto de boca, mais sincero que qualquer palavra jamais poderia ser.
Aquela sensação gostosinha de infância, de colorido.

Sou o Super-Homem! Olha minha capa grandona!

Um ataque de ingenuidade, de bondade, de transparência.
Um ataque de paz.

Sou o maior de todos! Vou proteger o mundo! Vou voaar!

Voaaaar!

O Incerto Silêncio

terça-feira, julho 24, 2007 § 0

Ao longo de toda minha vida, ouvi inúmeras vezes elogios de todos os tipos. Fossem minhas notas no período escolar, fosse a camisa pólo horrível que minha mãe gostava tanto, ouvi todos os tipos de adorações que pudessem descarregar sobre mim.

Passou-se anos, muitos anos, e continuam a me elogiar. Elogiam hoje coisas específicas da pessoa que me tornei, elogiam as casas que construí, que projetei. Elogiam a família imperfeita que amo tanto, os filhos perfeitos, pedaços de mim. É o resultado do que eu queria, das vontades que tinha, da pessoa completa que sempre quis ser. Do melhor que eu sempre quis ser. Melhor pra mim, melhor entre os concorrentes, o melhor entre todos.

E todos os elogios, sei que são sinceros. Eles elogiam o que vêem, o que sabem. Mas moldei isso durante toda minha vida.

Durante toda minha vida, tive desejos, metas, sonhos... O que as pessoas elogiam, e elogiaram durante toda minha vida, é o que eu tive, o que tenho. O que conseguir ter. E isso só é possível para elas porque nunca souberam do que nunca tive.

Nunca saberão de minhas pinturas borradas, minhas encenações frustradas... Nunca sequer imaginarão a quantidade de recusas que recebi de todos os festivais de cinema que anseei tão intensamente. Não sabem nem que fiz filmes.

Só sabem do arquiteto renomado, de suas construções faraônicas, de seus "pedaços de si mesmo espalhados pelo mundo", como alguns costumam ilustrar. Só sabem de meus cálculos, de minha matemática, física, estética... De tudo que tanto sei, mas nunca consegui inserir onde realmente quis.

Vivi uma vida em segredo. Enquanto todos me viam falar, gritar, só eu conhecia meu silêncio. O silêncio da incerteza, que depois se transformou no silêncio da derrota.

São meus sonhos tropeçando no caminho da vida, e ficando por lá, de cabeça baixa, sem jamais chorar. Só um silêncio, meus sonhos acenando distante enquanto continuo andando, e um "quem sabe na próxima vida?".

A Porta

quinta-feira, julho 19, 2007 § 0

Pode entrar em minha casa.
Invadir meu quarto.
Mas sujará seus pés de lama.

Linha Reta

quarta-feira, julho 18, 2007 § 0

Ela começa num ponto e termina num outro.
Mas não gira, não faz curva, não sobe, nem desce.
Ela representa o tempo.
Um tempo com começo, meio e fim, onde o fim se vê do começo, sorrindo seguro no horizonte, lá longe.
Ela representa o tempo.
Mas não o meu.

Maqêdo | Alienação por Amor

domingo, julho 15, 2007 § 0

A rua está movimentada como em qualquer outro dia.
Entre pessoas transitando, o casal conversa na calçada, próximos à esquina.
Estão alegres, entrosados, conversam como quem se conhece há anos. Logo vão se despedir. Cada um precisa ir para um local diferente agora.
Maqêdo olha de longe.
Está na esquina, ignorando os carros e pessoas passando. Só vê o casal.
Por algum motivo, eles o confortam. Seu entrosamento lhe dá uma sensação de leveza.
Olha fixo para eles, sacode os braços, está aprovando-os. Eles sim têm amor. Amor sincero. Disso Maqêdo entende.
Eles riem, percebem-no ali, percebendo-os. Riem desconcertados, lisonjeados. Têm a aprovação de Maqêdo. Isso é algo para poucos.
Ninguém mais o vê em celebração à emoção.
Se abraçam novamente, em comemoração.
Maqêdo abre seu sorriso sujo, sorriso sincero.
Em tanto tempo de vida (ninguém jamais saberá quanto), viu poucas vezes amor assim passar.
Vê concreto, muros, carros, mas ele já se esquecia do amor. Gradativamente foi sumindo de sua realidade, como um reflexo da realidade exterior, do mundo em que vive.
Ele sorriu, mas não só pelo casal. Sorriu por todos. Todos que se amam, que se gostam... Sorriu pela felicidade, pelo compartilhar, pelo dividir.
Sorriu por lembrar que em meio às pedras de sua cidade, sempre nascerão flores.
Maqêdo se sente leve.
De pouco em pouco, estão tirando o peso da sobriedade de seus ombros.
Está sentindo novamente a graciosidade da alienação.
A alienação por amor.

Artista do Espaço Sideral

sábado, julho 14, 2007 § 0

Me perguntam quem sou
Respondo "sou a dor"
Sou frescor
Sou conhecimento, sou a razão
Calor
Tesão

Querem saber que faço
Que asso? Quem caço?
Caço todos, todo dia
Vivo da carne de outros
Ardendo na minha, que agonia
Vivo do sangue, sou vampiro
Libertino

Me perguntam que cor tenho
Minha mão é vermelha
A outra é azul
De pintar o céu
Pintar o amor
Sou pintor
Sou escultor
Sou artista do mundo
Do universo
Do espaço sideral

Mineiro da Lua
Eletricista do Sol
Gari do lixo espacial

Me perguntam de onde venho
De seus desejos
Seus devaneios
Venho do bueiro, do esgoto
Do mar receoso
Das flores do canteiro

Cheiro a magnólias
A tulipas

Meus abraços de hera
De rosas vermelhas
Espinhos sinceros
Espinhos de amor
De um amor perfeito

Tenho mão vermelha
A outra azul
De pintar o céu
Pintar o amor
Sou pintor
Escultor
Sou artista do mundo
Do universo
Do espaço sideral

Poesia de Arranha-Céu

terça-feira, julho 03, 2007 § 0

O barulho dos carros não atrapalha. Até complementam. Fazem parte de uma sinfonia. São a base da música, o papel de parede, o cenário daquela peça.

Os atores são muitos, incontáveis, inimagináveis. Andando pelo infinito cenário, se tromba com todos eles, de todos os tipos.

Vou andando, vejo aquele de olhar distante, encostado na parede, procurando algo, alguém, onde está ela? Devo esperar? Estou preocupado. Olha esse cara bizarro passando, que cabelo é esse? Meu cabelo está bom? Deve estar muito chamativo. Aquele cara na parede tá olhando pra mim...

Pelo cenário, vê-se de tudo, de todos, todos os tipos, acostuma-se com tudo. Aquela roupa incompreensível se torna tão comum, divertida, te alegra os olhos. Pessoas felizes, sendo elas mesmas, as invejo, as admiro, me inspiram.

Inspiro outros, vejo nos olhares, olhares trocados, roubados, será que estava olhando pra mim? Como era linda. Droga, deixei passar. Será que estava olhando pra mim? Como era lindo. Droga, deixei passar.

Olhamos todos, procuramos alguém que procure também. Alguns já acharam, são felizes, os invejo, os admiro. Encontro-os nos becos escuros, nas salas de cinema, nas cadeiras de bar lado a lado, de braços dados, no meio da rua, num abraço apertado. Se beijam como jovens apaixonados, como se fosse o primeiro amor, a primeira paixão, a recriprocidade, a sensação de inédito, sensação de amor, meu Deus te amo, como te amo. Quero ficar aqui pra sempre, ele fala baixinho no ouvido dela, que estremece, te amo também, te quero pra sempre, pensa consigo. São amores fortes, amores de todos os tipos, de toda intensidade, ou sem felicidade, nem amor, só amargura, uma discussão no meio da rua, lágrimas caindo, gotas de chuva, o céu está cinza, está feio, sem alegria, sem amor, só uma recordação da tarde de sol que antes fora, só recordações, de um tempo bonito, de um céu cor de rosa. Aquela rosa que te dei. Te amei. Agora é só neblina. O tempo não vai melhorar. Preciso ir embora. Agora.

Vou correr, trombar com outros. O cenário é grande, os atores são muitos, são brutos, vazios de tudo. É oco, sem nada dentro, sem história, sem passado, olha pro nada, olhar vazio, vê nada, espera nada, nem ninguém, sem alguém, sem propósito, sem começo, nem meio, nem fim.

É noite, penduram a lua no fundo do cenário, atrás dos prédios, sorridentes, espectadores. Assistem a peça, os atores andando de um lado pro outro lá embaixo, cada um com sua história, sua felicidade, tristeza, sua pressa, sossego, cansaço, estou exausto, estou tão animado, a noite está linda, ficarei aqui pra sempre, meu celular está tocando. Cada um com sua história, seu começo meio e fim, suas conversas, meu celular está tocando, seus coadjuvantes, é meu irmão, e seus compromissos, preciso ir embora.

Fitas de Cetim

quarta-feira, junho 13, 2007 § 0

E quem quer entrar na dança?
Pra frente, pro lado
Tropeçar, cair de quatro
Na boa vontade, quase alcança
Mas a dança é nossa
Tão formosa
Rápida
Misteriosa
Na boa vontade, quase alcança
Mas ninguém balança
A dança é nossa
A dança é minha
Vou rápido e brusco
Você só caminha
Te jogo pra cima
Você é minha
Cai no chão
"Não sou não"
A dança é um solo
Não cabe mais ninguém
É muito perigoso
Posso machucar alguém.

Escuro

terça-feira, junho 12, 2007 § 0

De quem é o rosto que você vê quando deita a cabeça e fecha os olhos?

Concretismo

sexta-feira, junho 08, 2007 § 0

Se a mentira tivesse um formato, indiscutivelmente seria uma esfera brilhante prateada, e à exceção de um microscópico racho na parte inferior dela, uma esfera perfeita. O gosto, obviamente, uma deliciosa mistura do doce do mel e do cacau.

A verdade, por outro lado, certamente seria um fragmento uniforme viscoso numa coloração meio rosada, meio albina, coberto de uma gosma esbranquiçada, com um repulsivo gosto azedo de remédio para lumbriga.

Para Meu Dia Nascer Feliz

quinta-feira, junho 07, 2007 § 0

Cores

Porque certas vezes é preciso largar mão, parar de se preocupar, parar de enxergar cinza em tudo.

O mundo é colorido demais. Só precisamos ver.

Preto e branco jamais nos levarão a qualquer lugar. Cores saturadas não nos trarão felicidade.

Certas vezes, é preciso enxergar o céu roxo prendendo a respiração, brincando de quem agüenta mais tempo sem respirar. Ou árvores amarelas, se fingindo de ouro, mostrando todo seu brilho.

É preciso enxergar cores mesmo onde não tenha. Porque, se virmos, então terá. Nosso mundo será tão colorido quanto quisermos. Só depende de nós, de nossos olhos, do que queremos ver.

Não podemos deixar o daltonismo nos dominar, e tomar nossa percepção.

O mundo é colorido sim.

E nós iremos ver.

Maqêdo | A Máquina

quarta-feira, junho 06, 2007 § 0

Maqêdo permanece em pé. Mantém um olhar seco, centrado, enquanto alimenta os pombos em sua volta.

Não tem preocupações. Hoje não é dia de preocupações.

Respira com calma, e viaja os olhos pelo chão enfestado de pombos, enquanto pedaços de pão voam de suas mãos.

Não está interessado no que está à sua volta. Não, não hoje.

Maqêdo acredita sinceramente que a única forma de tudo se resolver, é com cada um fazendo sua parte. Ele vê o mundo como uma grande máquina operada por incontáveis pessoas, mas a máquina só funciona quando todos, absolutamente todos, fazem apenas a sua parte, e nada mais. Nenhuma interferência.

Ele acordou, e veio calmo até os pombos. Sabia que nada mais existia no mundo para fazer. Sua parte era aquela. Sua função na Grande Máquina era aquela, então concentrou-se, e fez o melhor que pôde.

Nada mais em volta importava. Não devia se importar. Só devia se concentrar ali, em si mesmo, e em seus pombos.

Genialidade

sábado, junho 02, 2007 § 0

Você é especial, você tem idéias inteligentes, inovadoras, únicas. Mas elas não valem de nada enquanto você não executá-las.

Você pode ser um gênio, mas se ninguém mais viu isso, você é um gênio apenas dentro de si, porque toda a sua genialidade vai morrer com você.

E se tudo de especial que você tinha, você deixou morrer consigo, então você nunca teve nada de especial.

Nada de genial.

Nada.

Porque a genialidade não está nas idéias, mas na execução delas.

Ter idéias e não executá-las ainda é não ter idéias.

Mundo/Tempo Pt. 2

quinta-feira, maio 31, 2007 § 0

O que nós temos são valores.

São valores próprios, valores dos outros, da sociedade, de nossos amigos, de nossos parentes. Carregamos conosco a mais variada quantidade de valores. Carregamos os nossos, respeitamos os de nossos familiares, consultamos o de nossos amigos.

Nós também temos metas. Metas nossas, só nossas. Mas, devemos conquistá-las através de nossos valores próprios, respeitando o de nossos familiares, e consultando o de nossos amigos. Como conciliar tudo? Conciliar todos, todas as opiniões...

Até onde devemos seguir o roteiro pré-formulado para nós? Devemos seguí-lo? Ou devemos criar o nosso próprio roteiro, seguir nossos instintos..? Devemos confiar em nós mesmos?

Como convencer os outros de que o seu roteiro é o melhor para você? É o seu filme, você é o diretor, e você realmente confia no roteiro. Não aquele editado e reformulado pelos executivos do estúdio, mas aquele escrito pelo roteirista que ninguém conhece, mas que você sabe que é bom. Aquele roteirista que você sabe que tem talento. Como você vai convencer todas as outras pessoas envolvidas no filme, todos os produtores, os patrocinadores, todos, de que aquele é o caminho que você realmente acha que deva ser seguido?

Você realmente tentará convencê-los, ou abrirá mão, seguindo seu caminho, produzindo-o independentemente, ao lado de pessoas que nunca precisou convencer para estarem do seu lado?

São valores, muitos valores... Valores demais para um único filme.

Mundo/Tempo

terça-feira, maio 29, 2007 § 0

Você já teve aquela sensação de que a vida é curta demais pra você? De que o mundo é grande demais para ser aproveitado tão rapidamente?

Aquela sensação de saber que, não importa que caminhos você escolha, você nunca vai aproveitar tudo que quis, tudo que quer, tudo que quiser...

Maqêdo | Lágrimas e Rezas

sexta-feira, maio 11, 2007 § 0

No mundo, há muitas pessoas que rezam. Não importa quando, como, nem com que freqüência. Mas existe um ponto em que todas, de alguma forma, acabam rezando. Seja numa confissão de desejo baixinho para si mesmo, figurando algo na mente em troca, seja ajoelhado, lamuriando aos prantos.

Maqêdo reza. Ele anda agitadamente, apoiado em seu pedaço de madeira, e vai até o local o mais alto no meio das pessoas, literalmente no meio, onde todas passam rapidamente com seus móveis de quatro rodas. Olha bem em volta, olha para todos, para tudo, fixamente. Ergue seu cetro, e começa a lamentar em voz alta, tão alta, que ninguém o ouvia. E ele sabia disso. Lamentava por isso também. Todos, tão preocupados com suas próprias vidas, fazendo ruídos ensurdecedores com suas carroças à gasolina, e ninguém o ouvia.

Ele grita, chacoalha seu cajado aos céus, lágrimas escorrem por seu rosto negro, suas barbas brancas. Lamenta por eles, todos eles. Anda em seu gramado, balançando, chorando, pedindo que mudem, que vejam, que entendam.

Fecha a cara, aponta o cajado para um, bem distante, e gira em torno de si mesmo, apontando para todos, enfurecido, praguejando, blasfemando.

As pessoas seguem reto, seguem rápidas, intocáveis, inatingíveis.

Maqêdo perde-se de vista, deixado para trás. Transforma-se num ponto pequeno, bem distante, ao fundo do espelho retrovisor. Maqêdo desaparece para sempre, até o dia seguinte.

Maqêdo | Apresentação

terça-feira, maio 01, 2007 § 0

Existe um homem. Ele pode ser visto todos os dias.

Faz uso de uma camiseta e calça, ambas pretas, ambas velhas, ambas rasgadas, sujas, fedidas. Sapato, em estado igual, com exceção à cor, marrom.

Como acessório, carrega um cobertor às costas. Xadrez. Velho. Rasgado, sujo, fedido.

É visto todos os dias, religiosamente, no mesmo centro da cidade, através das ruas, dos pontos de ônibus, dos olhares amedrontados, das expressões de desprezo e repugnância.

Coisa que poucos sabem, é que ele retribui as expressões de desprezo e repugnância igualmente.

Caminhando meio torto por entre as multidões de pessoas receosas, pessoas vomitando olhares, ele, com seu copo descartável branco na mão direita, o ergue de forma sutil, uma ofensa que só ele compreende, enquanto resmunga palavras desconhecidas e impronunciáveis, desdenhando essas pessoas vazias e fáceis vivendo em seus mundinhos vazios e fáceis.

Ele as desdenha, com prazer. Pessoas rasas, com morais tortas e dignidade rachada.

Rí das pessoas escorregando para longe dele. Rí do medo inexplicável que elas criam dentro delas. Com tantas coisas terríveis no mundo, em suas casas, nelas mesmas, elas resolvem sentir medo dele.

Olha de canto para elas, de forma sutil e despreocupada, cuspe ao chão, e pára ao lado da única pessoa que o ignorou como ele deveria ser ignorado, e murmura sons de reprovação às outras pessoas, como um amigo que puxa o outro para difamar próximo à orelha.

Continua andando. Resolve dar algo a elas, algo que elas se recusam a dar a ele. Ele as ignora. Ignora da mesma forma como elas deveriam ignorá-lo, e não o fazem. Porque era só isso o que ele queria. Era só o que ele era. Algo a ser ignorado.

O Deserto dos Pássaros Aquáticos

quinta-feira, março 15, 2007 § 0

Eles não sabiam o que eram, nem por que existiam. Mas isso nunca foi problema.

Para eles, mais importante do que saber o que eram, ou sua razão no mundo, era saber que eles existiam.

Não importava o por que, ou pra quê. Só importava saber que eles estavam lá, vivendo.

Todo o resto, eram detalhes ínfimos.

Diário de Lavínia Opperman

sexta-feira, março 09, 2007 § 0

5 de Agosto de 2039

Depois de tantas coisas escritas, sentimentos transcritos, histórias narradas, apenas agora fui parar para perceber como consigo falar de mim mesma de forma tão casual, fluida, quase como se estivesse conversando com meus amigos.

Devo ter herdado isso de minha mãe. Às vezes noto em mim a agitação e animação que ela costuma ter quase sempre. Certamente não foi de meu pai que herdei isso.

Pessoa fechada, ao mesmo tempo que descontraído. Fala, e se deixar, fala bastante, mas nunca sobre si próprio. Nunca entendi bem isso, apesar de já termos conversado sobre. Às vezes penso que, talvez, se ele não fosse tão sério e fechado, não teria chegado tão longe na vida. Mas mesmo assim, às vezes sinto falta daquela liberdade nas conversas como tenho com minha mãe. E tudo isso acaba sendo engraçado, porque por mais distante que ele se coloque, é dele meu maior afeto (e que minha mãe não leia isso!). Não sei bem por que, mas sempre, desde pequena, eram os abraços dele que mais me emocionavam e confortavam, eram as conversas dele que mais me interessavam, era dele quem mais sentia falta nas férias.

Mesmo assim, não é exatamente algo que eu pretenda ter com meus filhos. Não quero nutrir essa barreira na minha relação com meus filhos. Na verdade, acho que eu nem deveria estar pensando nisso agora; é muito cedo ainda (e sempre digo isso, e sempre acabo pensando nisso). É, acho que estou fadada a ser uma dona-de-casa. Só não sei bem quanto tempo ficarei casada com meu marido. Espero que até lá eu tenha resolvido esse meu lado meio-apático.

Minhas amigas costumam comentar sofrerem do mal da falta de interesse depois de algum tempo. Comigo é quase o inverso. Eu demoro pra me apegar a alguém. Diz minha mãe que herdei isso dela, porque meu pai era o homem mais apaixonado que ela tinha visto até então, enquanto ela nunca foi de se surpreender facilmente. Isso é comprovado pelo fato de eles só terem começado a sair oficialmente muitos anos depois de se conhecerem. Eles dois têm história, acredite.

Às vezes fico olhando meus amigos, brincando de descobrir qual deles será meu marido. Alguns dias dá empate, em outros ninguém ganha. É justamente esse meu medo. De que, num dia, meu marido seja o homem mais lindo do mundo, e na semana seguinte, seja apenas aquele senhor de rosto sério e sombrancelhas franzidas que mora em minha casa. Ninguém tem controle sobre isso. Todos nós sabemos que tudo é eterno enquanto dura. Então, acabo chegando na conclusão de que é simplesmente um risco a correr. Acredito que não devemos nos perguntar se estamos dispostos a passar o resto da vida com aquela pessoa, mas se estamos dispostos a concretizar o que temos agora, e dispostos a lutar pra que aquilo dure o máximo possível.

Apesar de que, com certeza, quem me conhece diria que não sou a pessoa certa pra falar de relacionamentos duradouros; principalmente meus ex-namorados. Nunca deu certo de fato com qualquer um deles. Era algo bom, que me rendia história e experiência, mas eu sinto como se eu nunca houvesse tido uma história especial, aquela coisa deliciosa que guardamos conosco pelo resto da vida, mesmo que não tenha terminado como gostaríamos ou esperávamos.

Receio que eu nunca vá ter uma história especial assim. Que eu nunca terei músicas, lugares, objetos que me transportassem pra um universo passado, outra vida, outros sentimentos, outras pessoas...

Mas aí eu me lembro que sou jovem. Muito jovem. E apesar de isso ser relativo, eu sou de fato jovem, muito jovem, o que me dá grandes esperanças de viver algo assim futuramente. Acho que só devo esperar.

Não. Meu pai brigaria comigo se me ouvisse dizer que preciso esperar. Me mandaria viver a vida, viver cada momento, e não esperar o grande acontecimento, mas viver minhas histórias, que sozinhas traçarão o caminho até o grande acontecimento, a grande história. E terminaria dizendo que esse papo de "histórias especiais" são idiotices, porque tal coisa não existe, ou existe demais, dependendo do ponto de vista. Porque não existe uma grande história especial em nossa vida, mas um grande número de histórias, histórias que montam nossa vida, e que tornam nossa vida especial.

Então, vou viver minha vida. Por mais que erros possam ser cometidos, e escolhas mal tomadas, é um risco que eu decidi correr. Não posso mais esperar grandes pessoas em minha vida. Agora é hora de eu procurá-las, e torná-las especiais.

Ninguém fará isso por mim, senão eu mesma.

Cidade Fantasma

sexta-feira, fevereiro 16, 2007 § 0

A poeira no parapeito de uma janela. Ela continua aberta pela metade, do mesmo jeito que estava quando a abriram pela última vez.

O vento sopra forte lá fora, puxando as cortinas, fazendo-as dançar em ritmo frenético, ao som intenso da voz do vento, assobiando baixinho, bem agudo, elogiando a dança que observa atentamente com um de seus olhos.

O vento carrega consigo inúmeros olhos, que vagam pela cidade, assistindo a tudo. Com seus braços fortes, agita as árvores, querendo que dancem como as cortinas, mas elas não foram feitas para isso, e começam a resmungar contra o vento, emitindo um som seco, como folhas se chocando, e caindo na terra molhada. Terra molhada, que estava a admirar a discussão acima dela, concordando com o vento, porque estava brigada com a árvore desde que percebeu que ela nunca foi sua amiga; só estava usando-a para abrigar suas longas e irregulares caudas.

Havia cansado dali, e começou a andar pela avenida principal. Todas as ruas eram feitas de pura terra, o que dava a ela uma certa sensação de orgulho.

Admirava as construções ali localizadas. Grandes casas de madeira enfileiradas lado a lado, do começo ao fim da avenida. Esta era a cidade.

Não entendia bem o que acontecia em cada uma daquelas casas, mas já havia percebido que cada uma abrigava objetos diferentes dentro, que as pessoas entravam para levá-las. Eram, na verdade, lojas de comércio, intercaladas por casas convencionais, onde famílias numerosas costumavam se comprimir dentro.

Elas não gostava muito destas tais construções, porque nunca podia ver dentro delas. Todo chão era revestido de tábuas de madeira. Era, aliás, uma certa intriga entre a terra e a madeira, porque apesar de a terra poder ver praticamente tudo ao longo da cidade, era a madeira quem podia ver dentro destas lojas. A madeira, aliás, costumava sempre se vangloriar por isso.

Mas ultimamente, não pôde rir tanto. Suas tábuas haviam se tomado de poeira, e vivia sendo atacada por antropofágicos cupins. Não sabia mais o que fazer. Ela não sabia se cuidar sozinha. Sempre esteve sob os cuidados dos homens, mas desde que estes desapareceram da cidade, nada mais foi o mesmo.

Ninguém jamais soube o que aconteceu com os cidadãos. Nem os ventos, com seus incontáveis olhos invisíveis, nem a terra, que se alastrava pela cidade, dando superfície a tudo e todos. Desde que eles sumiram, a cidade havia entrado nos chamados Novos Tempos.

Por muito tempo, indagou-se quem tomaria o controle depois do Tempo dos Homens. Nunca se proporam a votar, porque aquilo nunca foi uma democracia. Mas quase todos concordavam na certeza de que seria a terra. Era uma das mais velhas e experientes, esteve lá desde a criação, e podia ver praticamente tudo, e desde que os homens desapareceram, ver dentro das lojas e casarões já não tinha importância, porque nada mais acontecia lá.

No dia em que todos acordaram, e viram que os homens haviam desaparecido, a terra já estava se tratando como a nova comandante. E foi, por algum tempo. Mas ainda havia um concorrente aos Novos Tempos que todos haviam negligenciado. Antes mesmo que a terra pudesse começar a fazer suas mudanças, já podia-se notar a estranha movimentação de alguém insignificante, até então.

Sem os homens para limpá-la e exterminá-la de todos os lugares, a poeira começou a crescer e se alastrar. Começou a tomar todos os lugares, se expandir em todos os cômodos de todas as casas, encrostar-se mais e mais nos objetos, quase como camuflando tudo do resto do mundo.

Ninguém esperava aquilo. Estavam todos chocados. E, numa cidade onde a chuva havia se cansado das intrigas e ido embora há muito tempo, somente o vento poderia tentar algo contra o ataque massivo da poeira.

Mas, onde havia poeira, não havia vento, e onde havia vento, não havia poeira. Assim, estabeleceu-se uma trégua. A cidade se dividiu em dois comandos: o ancião, mas ainda fortíssimo, vento; e a inteligente, mas subestimada, poeira.

Foi a trégua que se manteve por muito tempo, já que os homens nunca voltaram, nem nunca voltariam.

Os homens foram pegos numa cilada, planejada pelo ambicioso e egoísta mar.

Vendo a ganância dos homens, e seu crescente domínio, resolveu propôr a eles que viessem morar em sua casa. Argumentou que se sentia sozinho, abandonado pelas árvores, pela terra, até pela insignificante poeira.

Os homens, então, se aproveitaram da solidão do mar, para conquistar o segundo dos Três Reinos.

Migraram então para o mar. Foram, um a um, caminhando pelos tapetes de areia, entrando no abismo das águas.

Mas, eles haviam se esquecido que seu eterno aliado, o ar, era o eterno inimigo de seu irmão, o mar, e não seguiu-os para o fundo das águas. Nem sabia que os homens pretendiam tal coisa, e os próprios homens haviam se esquecido da longa briga entre mar e ar, e acabaram se perdendo nos longos corredores da mansão do mar, o eterno traiçoeiro que havia sido abandonado por todos. E continuaria assim, porque seu único aliado em muitas eras, o homem, enganou e matou em sua malevolência inexplicável.

Alguns diriam que os homens morreram sem conquistar o Terceiro Reino; diriam que conquistou o Reino da Terra, e morreu tentando conquistar o Reino das Águas, sem nunca conseguir conquistar o Reino dos Céus, eternamente cobiçado pelos homens, desde antes mesmo de se acostumarem com o Reino da Terra, o reino que lhes foi dado.

Mas eles conquistaram sim, tudo. Viveram na terra, perderam seus corpos nas águas, e dominaram os Céus com suas almas.

Enquanto a terra viveria eternamente sob as conseqüências dos atos dos homens, o mar se viu obrigado a fazer drásticas mudanças em sua imensurável mansão de água, agora que estava fadado a ter os corpos de todos os homens alojando seu reino. E, depois de tudo isso, a alma dos homens agora dançava pela imensidão dos Céus, num ritmo frenético, ao som intenso da voz do vento, assobiando baixinho, bem agudo, elogiando não a dança, que observava atentamente, mas a força do homem, sua vontade, mesmo que misturada com ganâncias e arrogâncias, porque, ainda assim, era uma determinação que ninguém jamais viu, ou veria novamente. Nem no observador vento, nem na esperta poeira, nem na experiente terra.

Era algo reservado aos homens, e a eles apenas.

Era isso o que os deu chances de conquistar os Três Reinos. E era isso o que os tornava aquilo que eram, aquilo que foram, aquilo que sempre serão.

Homem

quinta-feira, fevereiro 15, 2007 § 0

Já cheguei a achar que não poderia mais me surpreender comigo mesmo; que já conhecia quase tudo de mim; que só o que ainda não conhecia, era o que eu ainda mudaria em mim mesmo futuramente.

De repente, encontrei em mim um homem de esperança. Talvez sempre tenha sido assim, talvez tenha acabado de me tornar. Não importa. É o que sou agora.

Sinto correr em mim a esperança, esperança de segundas chances, esperança de que conseguirei o que quiser e lutar por.

Sinto correr em mim a força de vontade que esteve oculta há muitos anos, o poder de luta que havia perdido quando o mundo começou a se tornar fácil para mim.

Já cheguei a achar que não voltaria a ser o que fui outrora. Mas estava errado. Voltei a ser, e voltei mais forte.

De repente, acordei um homem de força, de esperanças, de vontades.

De repente, acordei um homem.

De Pesares, Vidas e Verdades

sexta-feira, fevereiro 09, 2007 § 0

Caminhando lentamente, ele chegou. Deu uma boa olhada em volta, sentindo uma espécie de desapontamento, porque era exatamente como as pessoas diziam (e ele, claro, esperava algo mais).

Parou no grande portão, e logo um senhor veio atendê-lo. Não viu de onde ele surgiu, mas também não se importava muito; naquele lugar, qualquer coisa era possível.

"Bem vindo" o senhor de cabelos brancos disse, em tom simpático. "Então é aqui?". "Sim, é aqui, e um pouco mais além, até mais ou menos o infinito". "Lugar simpático", terminou a conversa, de forma abrupta e irônica; não se sentia muito confortável com o senhor de cabelos brancos; era cliché demais para seu gosto.

"Então, agora é hora de você me perguntar se me arrependo de meus pecados, e blá blá blá, e então eu entro, certo?"

"Onde você ouviu essa baboseira? Eu tenho uma pergunta, sim, mas não é nem próxima disso. Só depende dela, e você então fará parte do enorme grupo que se encontra além deste portão, um grupo formado por muitos, muitos que você passou a vida ouvindo sobre, muitos que você nem imagina que tenham existido, outros que são os primeiros de todos. Mas você precisará responder com sinceridade, não importa qual seja a resposta."

"Vamos, estou morto, mas o tempo continua passando."

"O Tempo. Hahaha. Os homens nem imaginam o que isso realmente significa" pensava ele, mas deixou para explicar isso em outra hora mais apropriada.

"A única coisa que você precisa me dizer, jovem, é se existe algo que você se arrependa de ter feito, sem essa coisa de pecado que os homens inventaram. Você se sente tranqüilo com todas as decisões que tomou na vida, tenham sido boas ou ruins? Você gostaria de voltar e corrigir erros passados? Ou você não se arrepende de qualquer uma das idiotices que fez, das pessoas que fez sofrer propositalmente, das mentiras que contou...?"

Ele ainda estava um pouco intrigado. Era mais ou menos o que ele esperava, o tal papo do arrependimento, mas não tinha certeza do que deveria responder. Resolveu ir na sorte, seguindo o conselho de responder com sinceridade.

"Não. Não me arrependo de qualquer coisa. Menti, blasfemei, julguei, ignorei, ofendi, e tantas outras coisas, e não, não me arrependo de qualquer uma delas."

"Ótimo", o velho dizia, enquanto os portões iam se abrindo. "Siga a trilha, e encontrará o lugar que esteve reservado a você eternamente."

"Como assim? Eu acabei de dizer que não me arrependo de nada. Eu não deveria merecer este lugar. Deveria surgir um elevador aqui agora, me levando pra baixo, como todo mundo diz."

"Que tipo de lavagem fazem com vocês lá na Terra? Vamos lá, vou tentar deixar o mais claro possível a você. Isso aqui não é uma questão de ser bom ou ruim, como vocês gostam de colocar, porque, na verdade, esses termos nem existem; são coisas estúpidas que vocês criaram pra se auto-julgarem. Este lugar não está reservado para quem viva bem, para quem seja bom com os outros, e etc. Este lugar é para quem está de alma limpa. Não 'limpa' de não haver 'podres' carregados ao longo do tempo, mas limpa de consciência, de estar tranqüilo consigo mesmo, com as coisas que fez, com as decisões que tomou. Este é o fim. E o fim só está reservado a quem não tem mais relações com o passado. De nada adiantará ter uma vida falsa, almejando o dito 'Paraíso', se você chegar aqui sentindo que não viveu o que gostaria de viver, sentir um vazio em si mesmo. Essas são as pessoas que não estão preparadas para o fim, e são elas que voltam, e revivem suas próprias vidas, tentando então viver o que não viveram, e o fazem até terem a capacidade de chegar aqui, olhar nos meus olhos, e dizer que não se arrependem de nada, que viveram o que precisaram viver. Você já esteve aqui muitas vezes, mas pela primeira vez, atravessará os portões. O que existe do outro lado, você descobrirá logo mais, então, só te resta caminhar, como fez por todas as suas vidas. Caminhe através da trilha, e quem sabe, encontrará o fim dela. Mas não se importe com o tempo que leve, nem tente mudar o caminho; você só deve seguir o caminho que achar que deva seguir, e nunca, nunca voltar, nem se arrepender das esquinas que cruzou."

Águas Secas de Um Corpo Sem Vida

sábado, janeiro 27, 2007 § 0

Há muito tempo, eu fui alguém sentimental.

Há muito tempo, roubaram a sensibilidade de mim.

Já fui doce, meigo, gentil, e tantas outras coisas nobres e admiráveis.

Hoje, sou um velho sem nada. Hoje, sou as carcaças deixadas pelas pessoas ao longo de minha vida.

Já fui jovem, belo, respeitado e admirado. Tudo isso foi roubado de mim.

Não sinto mais nada. Me roubaram a capacidade de sentir, de chorar, de me emocionar, de me irritar. Sou hoje a estátua-humana pintada de branco, que só serve para divertir e assustar.

Sou, hoje, pedaços de outros, pedaços de histórias, pedaços de experiências, de memórias. Sou um protótipo de sentimentos, um protótipo infuncional, um robô com problemas técnicos deixado de canto para a eternidade, substituído pela sua versão 2.0.

Sou hoje os pedaços que constituíram uma vida uma vez. Sou o monstro de Frankeinstein.

Mentira.

Nunca poderia sê-lo. O monstro, por mais horrível que fosse, havia sido abençoado com o poder da sensibilidade. Sou menos que o monstro. Eu sou um monstro de Frankeinstein que nunca deu certo. Não acordei, não senti, não respirei, não vivi. Só o que fui, foram pedaços. Pedaços de sentimentos, de mim, e outros.

Distância

segunda-feira, janeiro 22, 2007 § 0

A distância não torna nossos sentimentos menos reais.

Só os torna mais ou menos intensos.

O Segredo do Medo

domingo, janeiro 21, 2007 § 0

As pessoas têm medo de segredos.

Não.

O que as pessoas temem é não saber o segredo dos outros.

Ninguém tem medo dos próprios segredos. Ele está seguro, seguro conosco, protegido. O que nós sentimos pelos nossos próprios segredos não é medo, é remorso e/ou arrependimento, e acabamos confundindo esse remorso por medo.

E quanto aos segredos alheios, também não é medo que sentimos. É uma mistura de insegurança, curiosidade e inveja. Inveja de querer saber o que apenas elas sabem (porque saber é poder, e poder é algo que todos almejamos); curiosidade de saber o que pode ser tão importante que deva ser guardado; e insegurança de que aquilo possa te afetar de alguma forma caso fosse descoberto (porque, afinal, somos nós a questão, sempre).

As pessoas têm medo. Claro que tem. Mas não é medo do segredo, não é medo das outras pessoas. As pessoas temem a si próprias. Temem as coisas terríveis que são capazes de fazer, e que só elas sabem que poderiam.

As pessoas são seus próprios medos.

Você é seu próprio medo.
Todos os direitos reservados. Tecnologia do Blogger.