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Aritmofobia

quarta-feira, janeiro 06, 2010 Comments Off

É quase como se fosse uma ofensa. Um golpe. Um tiro. Um tiro à queima roupa. Seja quem for, é certo que reagirá como se estivesse nu frente a essa pergunta, como se isso certificasse seu próprio valor; como se você custasse o quanto recebe.

"Qual seu salário?"

Os pêlos dos braços se arrepiam, a espinha gela, sentimos nossa coluna levemente se repuxar, pedindo para que troquemos de posição, e disfarçar o tamanho constrangimento, para então darmos uma resposta qualquer que estejamos habituados a dar de acordo com nossa personalidade.

Alguns são sinceros e declaram-se constrangidos; optam ou não por responder; respondem mentiras; e alguns poucos, raríssimos, respondem diretamente, secos, tão objetivos quanto a própria pergunta fora anteriormente, sem medo de um número, de o que ele possa representar, da reação que o outro possa ter, de seus julgamentos, independente de tudo. Seco. Um número. Uma resposta.

Esses são raros. Talvez sejam esses os que não temem seus objetivos. Nem temem não alcançá-los.

Talvez, o constrangimento do número seja pela confrontação. Não por revelar um segredo interno, por revelar o quanto vale seu dia-a-dia, por revelar quais restaurantes você pode freqüentar e quais não, quanto você provavelmente dá de gorjeta... Por nada disso. Talvez o medo seja pela confrontação de se enxergar até onde você foi na sua própria expectativa. Talvez, nos sentimos tão nus frente à pergunta por enxergarmos, naquele momento, o quão próximo estamos de nossas conquistas. E é esse o medo que temos.

Trabalhamos não pelo número. Nunca foi pelo número. Quantas vezes trabalhamos por números pequenos considerando a realização que aquilo nos traria? Mas, hoje, enxergamos o número como um parâmetro para medir nossas conquistas.

Nos envergonhamos frente à pergunta pelo medo de olhar nossa "barra de status". Para ver até onde nossa barra está cheia. Quanto falta para completá-la. Pelo medo de criarmos o paralelo entre a idade que temos, entre tudo o que já fizemos, o quanto já sofremos e vivemos, e o quanto já conquistamos. Porque esse paralelo, sim, nos dará o resultado de quanto falta para chegarmos aonde queremos. E é preciso uma confiança enorme para olhar para o resultado dessa equação.

É preciso uma confiança enorme para declarar, de forma seca e objetiva, um número. Um simples número. É preciso ter calma, viver plenamente, sem dúvidas, sem deixar nada passar, para se ter a tranqüilidade de olhar para si mesmo em terceira pessoa e ficar contente com a vida que se tem. É preciso confiança para se olhar o quanto falta para chegarmos aonde querermos e dizer que "está tudo bem, logo vem".

Só uma vida vivida vividamente, dia-a-dia, pode nos dar a calma necessária para poder enxergar tudo aquilo que ainda não somos e ainda assim não entrarmos em pânico.
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