Archive for outubro 2010

Hipermetropia

domingo, outubro 24, 2010 § 0

É reconfortante constatar que o problema do ser humano não passa de uma simples hipermetropia.

A proximidade para o ser humano sempre o faz exergar sua vida disforme.

Tudo o que nós precisamos é apenas nos distanciarmos um pouco para conseguirmos enxergar as coisas como elas realmente deveriam ser.

Um Cuspe na Cara e Outras Criatividades

sábado, outubro 23, 2010 § 0

A humilhação de um ser humano contra outro é a maior e mais sincera demonstração de desumanidade por aquele que humilha.

As Longas Projeções

§ 0

O lamentável para o ser humano é sua constante limitação a apenas alguns poucos breves momentos de lucidez.

Durante todo o restante do tempo, ele insiste em agir apenas como uma rasa projeção de um personagem equivocado, tentando sempre ser alguém que não ele próprio.

O lamentável, verdadeiramente, é ser impossível de se enxergar a pessoa que ele realmente deveria ser, a não ser através de alguns daqueles poucos e breves momentos de lucidez.

Felicidade

quinta-feira, outubro 21, 2010 § 0

Ficar feliz não é normal. Ficar feliz é meta.

Carma

quarta-feira, outubro 20, 2010 § 0

O decepcionante para alguns é a constatação de que, sim, merecemos a vida que temos.

Para outros, só o que existe é a chance de construir sua vida como sonha.

E, no fundo, estamos falando todos o mesmo.

Dario

sábado, outubro 16, 2010 § 1

Quando Dario nasceu, sua mãe não pensou em outra coisa. Enfiou-lhe cem grãos de feijão nos bolsos de seu macacão, a primeira roupa que Dario vestiu, e não tirava enquanto ele a vestisse. Quando o recém-nascido precisava trocar por outra roupa, ela não hesitava: trocava os cem feijões de lugar também.

Não havia um único instante em que Dario estivesse sem seus cem grãos de feijão.
Depois de algum tempo, sua mãe se encoraja a deixá-lo sozinho no carpete da sala de estar. O deita confortavelmente com as costas no chão e ele sacode as pernas e braços no ar, percebendo a imensidão do chão de uma sala de estar. Ela se afasta e assiste. Em pouco tempo, ele toma força para se virar de lado, e então de bruços, e então toma toda a força do mundo e a coloca em seus braços e pernas para, imagine, engatinhar!

Com alguns tropeços no começo, ele logo se acostuma e toma gosto pela coisa. Engatinha incessantemente de um lado para o outro sobre o infinito carpete da sala de estar. O céu era o limite, e este tomava forma como a porta da cozinha.
Sua mãe, vendo o sucesso de Dario, não hesita: pega seu Hércules nos braços, abraça-o forte, e retira um grão de feijão do bolso de seu macacão. Dá-lhe um gostoso beijo em suas gorduchas bochechas. Parabéns, filho.

Em pouco tempo, sua mãe já se surpreende com Dario empurrando a porta da cozinha, a porta do quarto e a porta do banheiro. Sua mãe anda com cuidado pela casa, sabe que não existem mais limites para Dario. Tudo era possível.

Ele engatinha pelo carpete em direção ao sofá. Estica seus grossos bracinhos tentando alcançar a parte mais alta. Segura forte, enquanto força suas pernas, tentando se levantar, se esticando, se esticando, até estar inteiramente em pé, equilibrando-se em suas pernas e segurando-se no sofá. Ele estava em pé.

Anda de um extremo ao outro do sofá até se sentir confiante. Dario sente que tudo o que o separa de sua mãe na cozinha são suas próprias pernas. Dario não hesita: atravessa a porta da cozinha e abraça as pernas de sua mãe com toda a força do Hércules que ele era, sua mãe pega inteiramente despreparada, sua felicidade escorrendo pelo rosto. Ela não tinha dúvidas: coloca a mão no bolso do short azul de Dario e retira um grão de feijão, que mostra para ele com toda a felicidade do mundo antes de jogá-lo dentro da pia, desaparecendo encanamento afora.

No dia seguinte, quando Dario tinha oito anos, era comum ver seus amigos dentro de sua casa, ou ele na casa de seus amigos, ou ele e seus amigos todos fora de suas casas. Seus amigos, dia após dia, descobriam uma novidade que o mundo tinha a oferecer. Primeiramente, descobriram um após o outro, que era possível algo que todos diziam ser impossível: mentir. Descobriram que era possível dizer algo quando na verdade gostaria ou deveria dizer outra – e ninguém conseguiria descobrir. Descobriram então, por conseqüência, que suas mães não liam suas mentes.

Foi um momento chocante na vida de Dario e de todos os seus amigos.

Em pouco tempo, novas descobertas chegariam. Alguns dias depois, Dario tinha onze anos e seus amigos haviam descoberto o cigarro. Eles não sabiam bem como funcionava, mas haviam memorizado o procedimento: segura-se assim, acende esse lado e põe esse outro lado na boca, e faz como se estivesse bebendo Coca-Cola no canudinho. Sucesso.

Dario teve pouco tempo para pensar se deveria ou não fazer como seus amigos. Enquanto se revezava entre tragar, tossir e cuspir, não tirava a outra mão do bolso de sua calça. Passava seus dedos miúdos por entre os oitenta e dois grãos de feijão que ainda restavam. Quando ele aprendesse a fumar perfeitamente como sua mãe, certamente ele teria um grão de feijão a menos no bolso. Tragava rápido e tossia forte, ansioso.

Seus amigos logo descobriram que poderiam sair do mercado com sua bolacha preferida sem pagar, se ela estivesse bem disfarçada dentro de sua roupa. Ganhava quem chegasse do lado de fora com mais itens. Dario sempre perdia. Não havia muito espaço para esconder itens quando se carrega oitenta e dois grãos de feijão nos bolsos. Infelizmente, quem perdia deveria ficar dentro do círculo formado pelos seus outros amigos enquanto eles lhe chutavam e davam socos por dois minutos. Era a regra.

Dario não teve dúvidas: chegou a sua casa, procurou sua mãe e decidiu lhe mostrar o que aprendera. Tirou um cigarro do bolso e se preparava para mostrar para sua mãe como ele conseguia ser tão bom quanto ela. Não entendeu a aversão de sua mãe, seus berros, o tapa em seu rosto, e o grão de feijão novo que ela colocava agora no bolso de Dario. Dario em seguida chorou, não pela aversão, os berros ou o tapa no rosto, mas porque não só não havia diminuído a quantidade dos grãos de feijão como agora tinha um a mais do que antes, e isso não era justo.

Na vez seguinte em que ele e seus amigos competiram, Dario perdeu novamente. Só conseguiu levar um iogurte, com muito esforço. Seus amigos formavam a roda quando Dario começou a se lamentar. Não queria apanhar novamente. Seus amigos então decidiram criar outras regras para ajudar o amigo. Decidiram que quem perdesse e fosse para dentro da roda, ao invés de levar chutes e socos, deveria cumprir algum pedido sexual dos outros na roda.

Foi então que Dario e seus amigos descobriram o sexo.

Dario sabia que aquilo não lhe valeria de nenhum grão de feijão. Começava a entender o que sua mãe queria saber que ele fazia – e, conseqüentemente, valendo-lhe dos grãos – e o que ela não queria saber.

Desse dia em diante, criou-se um embate diário de novos grãos que chegavam aos seus bolsos e outros – pouquíssimos – que mereciam ser jogados fora.

Aos dezenove, Dario havia alcançado a impressionante marca de quarenta e nove grãos de feijão, mas quase não se lembrava mais disso. Não havia muito contato entre ele e sua mãe, logo, havia cada vez menos oportunidades para ela decidir se ele merecia perder um grão ou se deveria ganhar outro. Foi se tornando cada vez menos importante e, apesar disso, Dario continuava a carregá-los diariamente.

A importância dos grãos logo foi substituída por valores mais emergenciais. Logo, Dario tentava de todas as formas encontrar uma forma de renda para sair daquele lugar e começar uma vida só sua para se orgulhar. Descobria hoje outra novidade do mundo: o dinheiro.

Percebia que tudo que regia o mundo que conhecia era apenas isso, logo, percebeu que era essa a única coisa que o prendia ali.

Tentou um emprego no mesmo mercado que furtava até pouco atrás, mas o dinheiro era pouco e o trabalho entediante. Tentou trabalhar com crianças em festas de aniversário, mas parecia que quanto mais sorria, menos divertido aquilo se tornava – e o dinheiro continuava pouco. Tentou uma mistura de opções, trabalhando em uma locadora de vídeos de dia, distribuindo folhetos durante um período no fim da tarde, e em uma pizzaria à noite. Entendeu em poucos dias que ele era apenas um, e não cabe em uma única pessoa o cansaço de três – e, assustadoramente, o dinheiro parecia não se modificar.

Pesquisou, entrevistou seus amigos, conhecidos, e todos pareciam ter os mesmos conceitos de o que deveria gerar dinheiro, o que nunca geraria dinheiro, e o que não passava de piada – apesar de gerar dinheiro.

Os dias pareciam passar mais rápidos e a necessidade de sair daquele lugar parecia cada vez mais imediata e inadiável. Entendeu que a única forma de mudar imediatamente seria através de uma solução com resultados imediatos. Foi nesse dia que Dario descobriu que, no mundo, outras novidades podem surgir através de outras novidades já conhecidas. Então, Dario descobriu: sexo mais dinheiro igual a mais dinheiro.

Sua primeira vez ocorreu como esperava: constrangimento, dor, dinheiro. Ao chegar a sua casa, foi direto ao chuveiro. Tomou o banho que pareceu ser o mais longo de sua vida. Saiu dele, vestiu-se, foi até a cozinha, pegou um grão de feijão do pote de sua mãe e colocou em seu próprio bolso.

Os resultados eram tão imediatos quanto lhe disseram que seriam, e logo surgiu a necessidade de descobrir uma forma de camuflar essa forma de renda. Olhou para seus quarenta e nove feijões e tudo o que conseguia pensar era que não queria novos feijões.

Sua mãe sentava em um dos sofás de frente para a TV, assistindo ao mesmo programa de todos os dias, o cigarro na mão. Dario sentava-se no outro sofá, seus tênis rasgados sujando aquele mesmo carpete que lhe valeu seu primeiro grão de feijão. Decidira contar a sua mãe uma novidade. Depois de muito enrolar, tomou fôlego e lhe contou.

Sua mãe não conseguia conter-se de felicidade ao saber que seu filho havia acabado de ganhar um emprego como auxiliar de Contabilidade. Não conseguia encontrar em sua memória quando Dario havia se sobressaído com números, mas isso não importava. Vendo o sucesso de Dario, ela não hesita: pega seu Hércules nos braços abraçando-o forte, e retira vinte grãos de feijão dos bolsos de seu jeans amarrotado. Dá-lhe um gostoso beijo em suas magras bochechas. Parabéns, filho.

Em pouco tempo, Dario empacotava suas coisas para finalmente ir embora daquele lugar. Ia morar na Cidade Grande. Já tinha o lugar e as pessoas arranjadas. Sem hesitar, Dario se foi, com duas malas de roupas, uma mochila com itens pessoais, sessenta grãos de feijão nos bolsos e um beijo de sua mãe.

Na Cidade Grande, Dario já enviava dinheiro para sua mãe freqüentemente enquanto pagava seus próprios estudos e sua própria moradia.

Dario continuava com os mesmos sessenta grãos de feijão nos bolsos.

Com um diploma em mãos, decidiu seguir uma carreira da qual pudesse se orgulhar. Consegue um emprego na Política, e logo espalha a notícia para todos que pudessem ouvir. Sua mãe vem até a Cidade Grande para parabenizar o filho e retirar-lhe dez grãos de feijão dos bolsos.

Dario esperava que sua mãe retirasse mais grãos do que apenas dez. Decide se esforçar ainda mais. Com seus colegas políticos, estudam candidatá-lo a um pequeno cargo de Vereador. Seu chefe diz que sua chance de candidatura era iminente em troca de um único favor.

Dario mal pode esperar para ver aqueles feijões longe de seus bolsos. O que é um feijão a mais por outros vinte a menos?

Ele não só vence, como em pouco tempo surgem novas candidaturas e novas vitórias. Quem não votaria em um rosto jovem, bonito e esperançoso? Tudo era inédito e todos à sua volta viviam em êxtase e excitação. Dario, aos vinte e nove anos, é anunciado Governador de seu estado.

Sentia tremer seu corpo todo, sentia tonturas vez ou outra. Nunca havia se sentido tão ansioso assim em toda sua vida. Contava os minutos em seu relógio. O telefone em seu escritório toca e sua secretária anuncia. Em instantes, sua mãe está em seu escritório parabenizando seu filho. Mal podia acreditar. Seu filho, Governador.
Põe as mãos nos bolsos do filho e retira outros dez grãos de feijão. Sem mais, sua mãe vai embora de volta à sua cidade. Seria a última vez que ela retiraria grãos dos bolsos de Dario.

Aos trinta e cinco anos, Dario é avisado do falecimento de sua mãe.

Sem sua ajuda, ele entende que tudo dependeria de si próprio. Dario ignorava a corrupção em troca de liberdade de realizações. Conseguia assim concluir muitos de seus projetos e ações. Muda leis a favor da população, visita áreas que todos fingem não existir, cria centros de ajuda para grupos de pessoas que todos também fingem não existir. Um grão a mais por corrupção, um grão a menos por satisfação social.

Visando o crescimento de Dario na Política, seus colegas tentam estimulá-lo a ter um filho, uma família. Seria bom para sua imagem. Dario confia que a criação de uma família poderia ser algo pelo qual se orgulhar.

Conhece uma mulher, namoram, ficam noivos. No dia de seu casamento, Dario põe um novo grão de feijão em seu bolso.

Vivem juntos, têm dois filhos gêmeos. No dia de seu nascimento, Dario põe dois novos grãos de feijão em seu próprio bolso.

Seus filhos crescem e vivem felizes, não deixa faltar nada para ninguém. Cada um investe em sua própria carreira e cresce dentro dela, e sua esposa também, sempre buscando seus próprios objetivos.

Dario deixava todos felizes.

Aos cinqüenta e dois anos, já não tinha mais nenhum envolvimento com a Política, seus filhos já faziam sua própria história e sua esposa já não era mais sua.

Morreu aos cinqüenta e três em sua casa, assistindo TV, seus pés descalços sobre um carpete caro.

Ao buscarem a roupa que seu pai vestia quando foi levado ao hospital, lhes entregam uma sacola com todos os itens. Seus filhos abrem a sacola e retiram apenas uma camisa branca, um cinto, e uma calça da qual caem alguns grãos de feijão. Intrigados, eles pegam todos os grãos e os contam sobre uma mesa.

Havia ali exatamente cem grãos de feijão.

Dario e o Pé de Feijão

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Se quando você nasceu tivessem-lhe colocado 100 grãos de feijão nos bolsos para que jogasse fora um a cada conquista em sua vida, com quantos você estaria hoje?
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