Archive for junho 2006

Portas, Cappuccinos e Dirigíveis

quinta-feira, junho 29, 2006 § 0

E no bar eu entrei, e sentei.

As luzes baixas acompanhavam a música lenta; sua voz me causava uma estranha sensação de calma, de uma forma que não se via desde os tempos das portas de Jim.

Ele cantava no palco, sem palco, calmo como eu, acompanhando aquela guitarra que seguia em algumas notas dedilhadas, que apenas se fazia presente, mas logo se cansou e tomou a posição de destaque, naquele solo egoísta que me lembrava zeppelins no céu.

A música havia terminado, mas... Hey, quem sou eu para me opor à vontade de meus ouvidos?

Dei play novamente, e curti mais uma vez.

Amor-Perfeito

segunda-feira, junho 05, 2006 § 1

Deus criou a Humanidade. Passou anos sendo torturado pelas inúmeras reclamações de seus filhos, infelizes com sua aparência física.

Era obrigado a todos os dias ouvir reclamações tristes e sofridas de pessoas infelizes; e Ele compreendia. Ele compreendia que para aquelas pessoas, a Beleza era algo importante. Isso para Ele era indiscutível; se a pessoa se importava com a Beleza, a Beleza era sim importante. E isso afetava diretamente o humor da pessoa, que afetava diretamente seu empenho no trabalho, na família, nas relações, etc; se ela estava infeliz consigo mesma, automaticamente seu rendimento no trabalho decaía, fosse ele qual fosse; seu humor decaía junto, fazendo seus amigos se distanciarem, tornando-o solitário, e por conseqüência, mais infeliz ainda.

Deus então resolveu consertar isso. Deus escolheu uma pessoa.

Ele se empenhou durante anos analisando a vida de todos os humanos, analisando sua personalidade, como eles viviam, como eles pensavam, como gastavam seu tempo, se empenhavam no trabalho, etc etc. E assim, escolheu um. Escolheu a pessoa que aparentava menos se importar com aparência, e a ela concedeu a Beleza Perfeita.

Deus juntou todos os pequenos detalhes que agradavam a essa pessoa, pegou todos os gostos dela, e agregou tudo isso a ela mesma. Deus juntou tudo o que aquela pessoa considerava bonito em uma pessoa, e colocou nela.

A pessoa agora tinha a chamada Beleza Perfeita. Não era a beleza que agradaria a todos, não era a beleza que agradaria a Deus, não, não; era a Beleza que agradaria à própria pessoa. Era mais do que uma Beleza Perfeita, era a Beleza Absoluta. E era isso o que aquela pessoa tinha.

Deus acreditou que ela então seria a pessoa mais feliz, que isso melhoraria seu humor, que renderia melhor trabalho, que melhoraria suas relações, etc. Em seu próprio conceito, Deus estava errado.

A pessoa descobriu sua nova beleza, num simples momento de sua rotina, em que visitava um lago para se banhar.

Ele se despiu inteiramente para seu banho, e foi entrando no lago, ao que ele ficou petrificado ao encarar seu corpo refletido. Ele encarava ele mesmo, com os olhos fixos nos seus próprios, encantado com aquela beleza esplêndida.

Era uma beleza que ele nunca poderia descrever, era uma beleza que nem ao menos o deixaria falar. A Beleza o prendeu, e o sufucou dentro dele mesmo, num silêncio absoluto, onde nada mais importava, onde nada mais era necessário, porque tudo o que ele precisava, estava ali, na superfície do lago, olhando para ele, igualmente apaixonado.

Era tudo o que ele queria. Ele, frustrado eternamente no amor recíproco, estava, naquele momento, realizado. Ele tinha alguém que o olhava nos olhos, que admirava a fibra mais profunda de seu ser através de seus olhos, de forma apaixonada, de forma apaixonante; e nunca o largava. A pessoa no lago o segurava, o prendia através do olhar fixo, naquele olhar de paixão que o hipnotizava. Aquela beleza que o hipnotizava.

Ele sabia, naquele momento, que nada nunca mais o moveria dali; e ali ele permaneceu, hipnotizado pela pessoa perfeita, numa premissa do amor eterno e sem escrúpulos, por muito tempo, um tempo que ninguém jamais contou, que ele mesmo jamais definiu, porque o tempo não existia, não ali, não entre eles, não entre aquele amor perfeito. Tudo o que existia eram eles.

Então ele decidiu que a distância não era suficiente, que aquela superfície do lago separava algo especial demais, que tudo aquilo devia se unir, que eles deviam se unir. Então ele soube que só havia algo a ser feito; e ele o fez.

Mergulhou água adentro, abandonando tudo que lhe foi dado, tudo que foi construído por ele, todos os que o amavam; abandonou tudo, porque ninguém mais importava. Só uma pessoa importava, só uma pessoa o amava realmente, uma única pessoa o amava da mesma forma que ele a amava, e isso para ele era tudo. Ele conseguiu o que ninguém jamais conseguiu; ele conseguiu um amor num êxtase imensurável, um amor que vinha de ambas as pessoas, num equilíbrio perfeito, não demais, não pouco, simplesmente perfeto, simplesmente tudo.

E lá ele o encontrou, o amor. Na gota de água mais profunda daquele lago, ele encontrou o que sempre procurou, e foi feliz, cada vez mais feliz, a cada braçada contra a água, a cada metro mais profundo, ele estava mais feliz, e mais feliz, enquanto se encaminhava num sono de leve, que foi tomando-o devagarzinho, num sono cada vez mais profundo, mas não menos feliz; um sono cada vez mais feliz, que o tomou por completo, e o abduziu para a eternidade, onde ele viveu num clímax fixo ao lado da pessoa perfeita, na Beleza Perfeita, onde ele tinha tudo o que todos sempre quiseram, e isso para ele era o suficiente.
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