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O Deserto dos Pássaros Aquáticos

quinta-feira, março 15, 2007 § 0

Eles não sabiam o que eram, nem por que existiam. Mas isso nunca foi problema.

Para eles, mais importante do que saber o que eram, ou sua razão no mundo, era saber que eles existiam.

Não importava o por que, ou pra quê. Só importava saber que eles estavam lá, vivendo.

Todo o resto, eram detalhes ínfimos.

Diário de Lavínia Opperman

sexta-feira, março 09, 2007 § 0

5 de Agosto de 2039

Depois de tantas coisas escritas, sentimentos transcritos, histórias narradas, apenas agora fui parar para perceber como consigo falar de mim mesma de forma tão casual, fluida, quase como se estivesse conversando com meus amigos.

Devo ter herdado isso de minha mãe. Às vezes noto em mim a agitação e animação que ela costuma ter quase sempre. Certamente não foi de meu pai que herdei isso.

Pessoa fechada, ao mesmo tempo que descontraído. Fala, e se deixar, fala bastante, mas nunca sobre si próprio. Nunca entendi bem isso, apesar de já termos conversado sobre. Às vezes penso que, talvez, se ele não fosse tão sério e fechado, não teria chegado tão longe na vida. Mas mesmo assim, às vezes sinto falta daquela liberdade nas conversas como tenho com minha mãe. E tudo isso acaba sendo engraçado, porque por mais distante que ele se coloque, é dele meu maior afeto (e que minha mãe não leia isso!). Não sei bem por que, mas sempre, desde pequena, eram os abraços dele que mais me emocionavam e confortavam, eram as conversas dele que mais me interessavam, era dele quem mais sentia falta nas férias.

Mesmo assim, não é exatamente algo que eu pretenda ter com meus filhos. Não quero nutrir essa barreira na minha relação com meus filhos. Na verdade, acho que eu nem deveria estar pensando nisso agora; é muito cedo ainda (e sempre digo isso, e sempre acabo pensando nisso). É, acho que estou fadada a ser uma dona-de-casa. Só não sei bem quanto tempo ficarei casada com meu marido. Espero que até lá eu tenha resolvido esse meu lado meio-apático.

Minhas amigas costumam comentar sofrerem do mal da falta de interesse depois de algum tempo. Comigo é quase o inverso. Eu demoro pra me apegar a alguém. Diz minha mãe que herdei isso dela, porque meu pai era o homem mais apaixonado que ela tinha visto até então, enquanto ela nunca foi de se surpreender facilmente. Isso é comprovado pelo fato de eles só terem começado a sair oficialmente muitos anos depois de se conhecerem. Eles dois têm história, acredite.

Às vezes fico olhando meus amigos, brincando de descobrir qual deles será meu marido. Alguns dias dá empate, em outros ninguém ganha. É justamente esse meu medo. De que, num dia, meu marido seja o homem mais lindo do mundo, e na semana seguinte, seja apenas aquele senhor de rosto sério e sombrancelhas franzidas que mora em minha casa. Ninguém tem controle sobre isso. Todos nós sabemos que tudo é eterno enquanto dura. Então, acabo chegando na conclusão de que é simplesmente um risco a correr. Acredito que não devemos nos perguntar se estamos dispostos a passar o resto da vida com aquela pessoa, mas se estamos dispostos a concretizar o que temos agora, e dispostos a lutar pra que aquilo dure o máximo possível.

Apesar de que, com certeza, quem me conhece diria que não sou a pessoa certa pra falar de relacionamentos duradouros; principalmente meus ex-namorados. Nunca deu certo de fato com qualquer um deles. Era algo bom, que me rendia história e experiência, mas eu sinto como se eu nunca houvesse tido uma história especial, aquela coisa deliciosa que guardamos conosco pelo resto da vida, mesmo que não tenha terminado como gostaríamos ou esperávamos.

Receio que eu nunca vá ter uma história especial assim. Que eu nunca terei músicas, lugares, objetos que me transportassem pra um universo passado, outra vida, outros sentimentos, outras pessoas...

Mas aí eu me lembro que sou jovem. Muito jovem. E apesar de isso ser relativo, eu sou de fato jovem, muito jovem, o que me dá grandes esperanças de viver algo assim futuramente. Acho que só devo esperar.

Não. Meu pai brigaria comigo se me ouvisse dizer que preciso esperar. Me mandaria viver a vida, viver cada momento, e não esperar o grande acontecimento, mas viver minhas histórias, que sozinhas traçarão o caminho até o grande acontecimento, a grande história. E terminaria dizendo que esse papo de "histórias especiais" são idiotices, porque tal coisa não existe, ou existe demais, dependendo do ponto de vista. Porque não existe uma grande história especial em nossa vida, mas um grande número de histórias, histórias que montam nossa vida, e que tornam nossa vida especial.

Então, vou viver minha vida. Por mais que erros possam ser cometidos, e escolhas mal tomadas, é um risco que eu decidi correr. Não posso mais esperar grandes pessoas em minha vida. Agora é hora de eu procurá-las, e torná-las especiais.

Ninguém fará isso por mim, senão eu mesma.
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