De Pesares, Vidas e Verdades

sexta-feira, fevereiro 09, 2007 § 0

Caminhando lentamente, ele chegou. Deu uma boa olhada em volta, sentindo uma espécie de desapontamento, porque era exatamente como as pessoas diziam (e ele, claro, esperava algo mais).

Parou no grande portão, e logo um senhor veio atendê-lo. Não viu de onde ele surgiu, mas também não se importava muito; naquele lugar, qualquer coisa era possível.

"Bem vindo" o senhor de cabelos brancos disse, em tom simpático. "Então é aqui?". "Sim, é aqui, e um pouco mais além, até mais ou menos o infinito". "Lugar simpático", terminou a conversa, de forma abrupta e irônica; não se sentia muito confortável com o senhor de cabelos brancos; era cliché demais para seu gosto.

"Então, agora é hora de você me perguntar se me arrependo de meus pecados, e blá blá blá, e então eu entro, certo?"

"Onde você ouviu essa baboseira? Eu tenho uma pergunta, sim, mas não é nem próxima disso. Só depende dela, e você então fará parte do enorme grupo que se encontra além deste portão, um grupo formado por muitos, muitos que você passou a vida ouvindo sobre, muitos que você nem imagina que tenham existido, outros que são os primeiros de todos. Mas você precisará responder com sinceridade, não importa qual seja a resposta."

"Vamos, estou morto, mas o tempo continua passando."

"O Tempo. Hahaha. Os homens nem imaginam o que isso realmente significa" pensava ele, mas deixou para explicar isso em outra hora mais apropriada.

"A única coisa que você precisa me dizer, jovem, é se existe algo que você se arrependa de ter feito, sem essa coisa de pecado que os homens inventaram. Você se sente tranqüilo com todas as decisões que tomou na vida, tenham sido boas ou ruins? Você gostaria de voltar e corrigir erros passados? Ou você não se arrepende de qualquer uma das idiotices que fez, das pessoas que fez sofrer propositalmente, das mentiras que contou...?"

Ele ainda estava um pouco intrigado. Era mais ou menos o que ele esperava, o tal papo do arrependimento, mas não tinha certeza do que deveria responder. Resolveu ir na sorte, seguindo o conselho de responder com sinceridade.

"Não. Não me arrependo de qualquer coisa. Menti, blasfemei, julguei, ignorei, ofendi, e tantas outras coisas, e não, não me arrependo de qualquer uma delas."

"Ótimo", o velho dizia, enquanto os portões iam se abrindo. "Siga a trilha, e encontrará o lugar que esteve reservado a você eternamente."

"Como assim? Eu acabei de dizer que não me arrependo de nada. Eu não deveria merecer este lugar. Deveria surgir um elevador aqui agora, me levando pra baixo, como todo mundo diz."

"Que tipo de lavagem fazem com vocês lá na Terra? Vamos lá, vou tentar deixar o mais claro possível a você. Isso aqui não é uma questão de ser bom ou ruim, como vocês gostam de colocar, porque, na verdade, esses termos nem existem; são coisas estúpidas que vocês criaram pra se auto-julgarem. Este lugar não está reservado para quem viva bem, para quem seja bom com os outros, e etc. Este lugar é para quem está de alma limpa. Não 'limpa' de não haver 'podres' carregados ao longo do tempo, mas limpa de consciência, de estar tranqüilo consigo mesmo, com as coisas que fez, com as decisões que tomou. Este é o fim. E o fim só está reservado a quem não tem mais relações com o passado. De nada adiantará ter uma vida falsa, almejando o dito 'Paraíso', se você chegar aqui sentindo que não viveu o que gostaria de viver, sentir um vazio em si mesmo. Essas são as pessoas que não estão preparadas para o fim, e são elas que voltam, e revivem suas próprias vidas, tentando então viver o que não viveram, e o fazem até terem a capacidade de chegar aqui, olhar nos meus olhos, e dizer que não se arrependem de nada, que viveram o que precisaram viver. Você já esteve aqui muitas vezes, mas pela primeira vez, atravessará os portões. O que existe do outro lado, você descobrirá logo mais, então, só te resta caminhar, como fez por todas as suas vidas. Caminhe através da trilha, e quem sabe, encontrará o fim dela. Mas não se importe com o tempo que leve, nem tente mudar o caminho; você só deve seguir o caminho que achar que deva seguir, e nunca, nunca voltar, nem se arrepender das esquinas que cruzou."

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